¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

segunda-feira, outubro 19, 2009
 
MEUS AMIGOS MARXISTAS (III)


Outro comunista ilustre que conheci foi Ernesto Sábato. Não que seja hoje comunista. Abandonou o Partido lá por 35 ou 36, por ocasião das primeiras purgas de Stalin. Foi quando desceram do barco Camus, Koestler, Gide, Ignazio Silone, Louis Fischer, Stephen Spender, Richard Wright. Desde então, Sábato tem sido um crítico feroz dos regimes totalitários socialistas.

Conheci Sábato meio por acaso, através de um bom amigo, o Odilon Rebés Abreu, hoje falecido. Eu ia para Buenos Aires e ele encomendou-me um livro, El Tunel, “desse extraordinário escritor argentino, o Sábato”. Comprei o livro e enquanto degustava um trago largo – lembro que no café El Reloj – comecei a trecheá-lo. Foi amor à primeira vista. Voltei à livraria e comprei todos os demais livros do autor. Na época, havia sido publicado Abaddón, el Exterminador. (Voltarei a este livro).

Mergulhei com fascínio nas páginas de Sobre Heroes y Tumbas. Desde o primeiro capítulo, o leitor fica inquieto para chegar ao terceiro, o “Informe sobre Ciegos”. A saga de Fernando Vidal Olmos, que vê uma conspiração universal no mundo dos cegos, suas pesquisas sobre o que ele chama de seita, suas relações com Alejandra, me prenderam por boas horas nos cafés de Buenos Aires. Não fiz quase nada na cidade, passei meus dias todos lendo Sábato.

Em Abaddón, Sábato escreve uma “Carta a un remoto muchacho”, um dos momentos mais altos de seu romance. Me pareceu que se dirigia a mim. Resolvi respondê-la. Qual não foi minha surpresa ao receber uma afável resposta de volta. Eu imaginava o homem encarcerado nalgum hospício, talvez imobilizado por uma camisa de força. Nada disso. Estava “vivito y coleando”, como diria Cela.

Daí a visitá-lo foi um passo. Fui procurá-lo na modesta casinha em que vivia, em Santos Lugares, a uma hora de Buenos Aires. Recebeu-me com afeto, junto com Matilde, sua mulher. Conversamos toda uma tarde. Nos encontramos depois em Buenos Aires, Paris e São Paulo. Quando ganhei uma bolsa em Paris, decidi que estudaria sua obra. Meu orientador, perplexo. “E por que não um escritor brasileiro?” – perguntou-me. Porque não me fascinam, respondi.

Meu orientador jamais ouvira falar de Sábato. Passou na Bibliothéque Nationale e pesquisou sua fortuna literária. Só aí teve noção da importância de sua literatura. Hoje, Daniel Pageaux – que assim se chamava – faz palestras sobre Sábato em toda Europa e inclusive publicou um ensaio sobre sua obra. Gostei de ter ensinado algo a meu professor.

Foi ainda em Porto Alegre, creio que em 1976, que recebi o convite de Sábato para traduzir sua obra. Comecei com El Tunel. Em Paris, traduzi Sobre Heroes y Tumbas e Abaddón. E mais alguns ensaios: Uno y el Infinito, Hombres y Engranages, Heterodoxia, El Escritor y sus Fantasmas. Ou seja, eu estava lendo vírgula a vírgula, ponto a ponto, a obra que pesquisava.

Costumo afirmar que há uma idade – e uma época – para ser comunista. Entendo que quem nasceu no início do século e tenha vivido, enquanto jovem, a Revolução de 17, tenha aderido imediatamente à Idéia, como se dizia então. Já um adulto, em 35 ou 36, por ocasião das purgas de Stalin, só sendo desonesto para se dizer marxista. Certo, Lenine já havia cometido seus massacres, mas o Ocidente deles ainda não tinha conhecimento. Há quem diga que Stalin foi um desvio da boa doutrina. Não foi. Lenine já defendia o terror como instrumento de controle do poder. E só podia ser assim. O terror como instrumento de Estado já está implícito no Manifesto.

Sábato – e muitos outros intelectuais – abandonaram o barco na década de 30. Mas... houve recidiva.