¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, outubro 12, 2009
 
NA ARTE E NO MUNDO
DA ARTE, PODE



Em Paris, segue o baile no galpão. Continua na primeira página dos jornais a affaire Mitterrand. Falo de Frédéric, o sobrinho do tio. (François Mitterrand era conhecido por Tonton, Titio). O escândalo foi provocado pela publicação de La Mauvaise Vie, livro autobiográfico, no qual o atual ministro da Cultura e Comunicação fala de suas experiências sexuais com rapazes na Tailândia. Com um pequeno detalhe: o livro foi publicado em 2005 e foi bem aceito pelo público, com cerca de 190 mil exemplares vendidos. Só agora alguém lembrou de acusar o sobrinho de pedofilia e turismo sexual. Comentei há pouco o escândalo. Volto ao assunto.

Fréderic penitencia-se do aspecto turismo sexual e, a meu ver, penitencia-se à toa, já que legislador algum pode, em sã consciência, condenar um turista por relacionar-se com pessoas dos países que visita. Quanto ao aspecto pedofilia, o “indigitado réu” afirma que falou de rapazes genericamente. Que não se relacionou com nenhuma criança, mas com pessoas adultas. Só o que faltava, em pleno século XXI, em um França que teve como expressão de sua cultura homens como André Gide, Marcel Jouhandeau, Jean Genet, condenar o homossexualismo de alguém. E inclusive Simone de Beauvoir, que nunca se privou do bom esporte com suas discípulas.

Thomas Mann, em Morte em Veneza, cria uma versão masculina da adolescência erótica, com Tadzio. Tadzio tem quatorze anos e espicaça o desejo do senil Aschenbach. O barão Wilhelm von Gloeden, em Taormina, fotografa adolescentes nus com um realismo que Visconti jamais ousaria. Segundo as más línguas, a fama dos meninos de von Gloeden teria feito até mesmo Nietzsche rumar à Sicília. A título de ilustração, segue uma rápida mostra dos meninos do fotógrafo alemão:
http://tinyurl.com/yjhte3l

Em 1920, Gide publicou Corydon, livro que defende abertamente a legitimidade e dignidade do homossexualismo. Em Os Frutos da Terra, canta o amor a Nathanael. Alertado certa vez por amigos de que se expunha excessivamente buscando meninos em mictórios públicos, declarou tranqüilamente: “meu Nobel me dá cobertura”. Jouhandeau, em suas obras, nunca escondeu suas preferências por efebos. Genet, que foi expulso do exército por ser flagrado em atos homossexuais, fez a apologia do homossexualismo em Diário de um Ladrão, Nossa Senhora das Flores, Querelle.

No que dependesse de Benoît Hamon, porta-voz do Partido Socialista, que considerou chocante as confidências de Mitterrand em seu livro, e de Marine le Pen, que denunciou o ministro, Oscar Wilde seria queimado em efígie por suas relações com o jovem Bosie. Artistas como Clark Gable, Cary Grant, Gary Cooper e até mesmo o insuspeito Humphrey Bogart, deveriam ser jogados ao fogo do Hades. E mesmo divas como Greta Garbo, Marlene Dietrich e Edith Piaf, que não foram indiferentes ao chamado amor sáfico. Que dizer então da poetisa americana Mercedes Acosta, que teve a ventura de participar da cama destas três musas? O Banquete, de Platão, onde vemos as investidas do jovem Alcibíades em cima de Sócrates, deveria ser queimado na Praça da Bastilha.

Bernard-Henri Lévy, no Libération, fala de “uma nova ordem moral que, há quinze dias, parece virar as cabeças que acreditávamos imunizadas contra o moralmente correto tão caro a nossos Pais e Mães do Pudor. (...) A nova Brigada dos costumes vigia. Triste época”.

Triste mesmo. Na arte e no universo dos artistas, pode. O que não pode é no mundo da política e dos preciosos quadros do Estado. É espantoso que nesta França de 2009 políticos franceses empunhem bandeiras da Idade Média.