¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, novembro 04, 2009
 
COMO PODE ORIENTAR UMA TESE
UM PROFESSOR QUE CRÊ EM DEUS?



Leio nos jornais pesquisa que mostra conflito de biólogos evangélicos. Eles querem ser professores de ciência, mas não acreditam na teoria da evolução; muitos dizem que vão ensinar o que aprenderam na faculdade. Ora, pretender conciliar ciência com fé é inútil. Pois os crentes são infensos à razão. Para começar, o problema não é apenas de evangélicos, mas de todo aquele que crê que o mundo tenha sido criado por um demiurgo.

Já comentei, há alguns anos, o caso de Kurt Wise, um geólogo americano que hoje dirige o Centro para Pesquisas no Brian College, em Dayton, Tenesse. O caso é narrado por Richard Dawkins. Comentei também o filme E o vento será tua herança, que retoma uma discussão - em verdade, um processo - de 1925, quando o promotor William Jennings Bryan, na mesma cidade de Dayton, acusou de darwinismo o professor de ciências John Scopes. O Bryan College deriva do promotor Bryan.

Wise era um cientista altamente qualificado e promissor e sua educação religiosa exigia que ele acreditasse que a Terra tinha menos de 10 mil anos de idade. O conflito entre sua religião e sua ciência fez com que tomasse uma decisão. Sem conseguir suportar a tensão - conta-nos Dawkins - atacou o problema com uma tesoura. Pegou uma Bíblia e a percorreu, retirando literalmente todos os versículos que teriam de ser eliminados se a visão científica do mundo fosse verdadeira. Concluiu então:

"Por mais que eu tentasse, e mesmo com o benefício das margens intactas ao longo das páginas das Escrituras, vi que era impossível pegar a Bíblia sem que ela se partisse ao meio. Tive de tomar uma decisão entre a evolução e as Escrituras. Ou as Escrituras eram verdade e a evolução estava errada ou a evolução era verdade e eu tinha de jogar a Bíblia fora. Foi ali, naquela noite, que aceitei a Palavra de Deus e rejeitei tudo que a contradissesse, incluindo a evolução. Assim, com grande tristeza, lancei ao fogo todos os meus sonhos e as minhas esperanças na ciência”.

Entre a fé e o bom senso, o cientista preferiu a fé. É uma opção. Em princípio, não tenho nada contra quem acredita em deuses. Tenho convivido com uma amiga muita querida, que adoro desde três décadas, catolícissima até o fundo da alma. Tudo bem, o que importa é a gente se gostar. O problema é que a fé em Deus – supõe-se que falamos daquele deus bíblico – não consegue explicar o mundo. Biólogo que pretenda explicá-lo a partir da Bíblia, terá de renegar a ciência. Foi o que fez Wise.

A pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF) mostra os conflitos vividos por estudantes evangélicos que querem se tornar professores de ciências. A maioria deles duvida da veracidade da teoria da evolução, de Charles Darwin, mas garante que não vai ensinar nas escolas que Deus criou o homem e o mundo. Estes estão renegando sua fé. É espantoso que discussões do início do século passado ainda persistam na universidade brasileira, em pleno século XXI.

Luis Fernando Marques Dorvillé, biólogo com mestrado em zoologia do Museu Histórico Nacional, achava que ninguém, dentro de uma universidade, seria capaz de contestar sem base científica o que para a ciência é verdade absoluta. Mas o aumento da incidência de alunos evangélicos nos cursos de Biologia instaurou a polêmica.

Segundo a notícia, uma questão passou a afligir Dorvillé: como é que alguém pode ensinar ciências sem acreditar na teoria de Darwin? Seu assombro foi tamanho que ele passou os últimos oito anos entrevistando alunos para sua tese de doutorado na UFF. O levantamento mostra que dos 245 matriculados no curso de Biologia da Uerj, em São Gonçalo, 23% são evangélicos.

Em meus debates internéticos, tenho discutido com pessoas de todas as crenças, desde católicos e evangélicos a espíritas e muçulmanos. Alguns deles são professores universitários, para meu pasmo. Para começar, não consigo entender como um universitário – falo dos alunos – possa crer em Deus. O pior é que dialogo com doutores que crêem em Deus. Pergunta que se impõe: como pode orientar uma tese – ensaio balizado pela lógica e pela razão - um professor que crê em superstições?

A meu ver, esta é a maior evidência do fracasso do ensino universitário. Se alguém sai de uma universidade crendo em Deus, a universidade de nada lhe serviu. Mas almas constituem mistério. O que importa é se querer bem.

Com um pedido de perdão à minha amiga adorada, de cuja alminha ainda não encontrei o fundo.