¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, dezembro 29, 2009
 
ALGEMAS, A MELHOR SOLUÇÃO


Falava da decadência dos cruzeiros. A verdade é que, a cada dia que passa, está se tornando mais desconfortável viajar. Aeroportos como Heathrow e Barajas viraram cidades imensas. Os check-ins são centralizados e você jamais é enviado diretamente ao terminal de partida. Quatro ou mais horas já está se tornando o tempo normal entre sua chegada ao aeroporto e a entrada no avião, dependendo de seu destino.

Em boa parte, graças ao bin Laden. As precauções de segurança se tornaram excessivas e mesmo ridículas. Já me prometi jamais visitar país em que fosse preciso tirar os sapatos para entrar na área de embarque. Era coisa dos Estados Unidos e não tenho interesse algum em viajar para lá. Agora, na Espanha, com este meu perfil de terrorista suicida, tive de tirar os sapatos. E não havia como voltar. Não se atravessa o Atlântico de trem.

Levava um netbook na bolsa. Tive de tirá-lo da bolsa de mão. Pelo jeito, aquelas sofisticadas máquinas de detecção não conseguem identificar um netbook, se não estiver fora da bolsa. Tive de tirar também o cinto. Como havia perdido quatro quilos na viagem, minhas calças estavam frouxas. E lá fui eu rumo ao controle, de pés no chão, uma bandeja nas mãos com minhas tralhas e as calças quase caindo. Parece que a maquininha tampouco consegue distinguir entre uma fivela de cinto e uma bomba.

Isso sem falar de uma revista física após passar pelo controle. O funcionário nem se digna a falar. Com um gesto imperativo, o ordena a levantar as mãos ao alto, como a qualquer bandido, e passa a apalpá-lo. Para não encontrar nada, é claro. Afinal, as máquinas detectam até moedinhas de um euro.

Há uns três anos, viajando com duas amigas, vivi um impasse em Barcelona. Uma delas, chegada a um uísque, levava na bagagem de mão um Chivas pela metade. Não pode, disse o guardinha. Pelo jeito, não conseguia distinguir, a olho nu, um uísque de uma TNT. Ah, essa ele não ia levar. Peguei a garrafa, empinei-a com gosto e a passei a minhas amigas. A esvaziamos diante do guardinha, em quatro ou cinco goles.

O que me evocou um antigo filme, Meu ódio será tua herança, do Peckinpah. Em uma de suas cenas, os sete membros da quadrilha, a cavalo, empunham uma garrafa de uísque, que vai sendo sorvida em longos goles. Um deles, um mexicano, espera inquieto por sua vez. A garrafa vai passando de mão e mão e o conteúdo vai sumindo. Quando chega ao mexicano, não sobra sequer uma gota. Quando esvaziamos nosso Chivas, passei a garrafa vazia ao mexicano da ocasião. Agora você pode ficar com a garrafa.

Acabo de ler que, agora, no Brasil, você é revistado duas vezes antes de embarcar para os Estados Unidos. Uma pela Infraero e outra pela empresa de aviação. Mais ainda, você tem de tirar os sapatos no Brasil mesmo.

Precauções bobas, inúteis. Você não pode entrar a bordo com uma tesourinha, porque é considerada arma. E se entrar alguém treinado em artes marciais, sem tesourinha alguma? Não precisa nem ser faixa preta. Estes especialistas matam com as mãos ou com os pés, não precisam de arma alguma. Penso que, mais dia menos dia, os terroristas pensarão no assunto. Talvez até já estejam treinando taekwondo, karate, box tailandês. No fundo, a arrogância ianque, que impõe a todos os continentes precauções que de pouco ou de nada adiantam e só servem para atrapalhar a vida de quem viaja.

A al Qaeda virou franquia. Para qualquer idiota que queira 15 minutos de fama, basta acender um fósforo durante um vôo e depois declarar que é militante da al Qaeda. A al Qaeda não tem interesse algum em desautorizá-lo. Toda e qualquer bobagem serve a seu prestígio. Manter bin Laden vivo – ainda que vivo não esteja – serve tanto aos Estados Unidos como ao terror muçulmano. Para os Estados Unidos, é razão para manter sua política estúpida de segurança em vôos. Para os terroristas, é sempre uma espada pendendo sobre a cabeça do Ocidente.

Está se tornando cada vez mais desconfortável viajar, dizia. Agora, graças a um imbecil como esse tal de Umar Farouk Abdulmutallab, vai ficar ainda pior. Abdulmutallab, como de praxe, se declarou militante da al Qaeda. A imprensa toda caiu no conto do Abdul. No dia seguinte, os principais aeroportos do Ocidente estavam conturbados em função das medidas de segurança. Ora, segundo os serviços de segurança americanos, nada indica que o nigeriano tenha qualquer ligação com a organização terrorista.

Coerentes com sua política de estupidez, os americanos introduziram uma nova diretriz que proíbe aos passageiros de se levantar da cadeira uma hora antes da aterrissagem do avião. Logo na hora de fazer xixi, escovar os dentes, apanhar documentos. Proíbe também levar objetos sobre as pernas. Como se tais precauções pudessem impedir um terrorista de explodir um avião, desde que tenha consigo meios para tanto.

Os demais países do Ocidente, sempre servis aos ianques, certamente adotarão estas medidas inúteis. Até o dia em que dois ou três karatekas, de mãos limpas, façam estragos consideráveis em um vôo. Dia seguinte, os gênios da segurança certamente encontrarão a solução.

Todo passageiro entrará algemado nos aviões.