¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, dezembro 30, 2009
 
A ÁRDUA BUSCA
DE UM CELULAR



Não sou exatamente um homem contemporâneo. Há uma pilha de gadgets em nossos dias dos quais nem tenho conhecimento. Sem ir muito longe, ainda não me adaptei muito bem ao celular. É uma cultura que me desagrada. Às vezes vejo três ou quatro pessoas reunidas em uma mesa de bar, cada uma telefonando para uma outra que está longe dali. Ora, se é para falar com terceiros, por que se reunir? De minha parte, quando estou conversando com alguém, o que mais espero é que ninguém me interrompa.

Isso de celular em público é, a meu ver, nouveau-richisme de brasileiro. Nestes meus dias na Espanha, vi raros celulares na rua. Em bares, não lembro de ter visto nenhum. Em Paris – e a isto chamo de civilização – há restaurantes em que o celular é proibido.

Outra coisa que não entendo é porque certas pessoas precisam caminhar para falar ao celular. Mal o telefone chama, saem a caminhar pela calçada. Confesso que não entendo.

O aparelhinho entrou em minha vida por acaso. A Baixinha, por necessidades profissionais, comprou – acho que antes de 2000 – um Motorola Star TAC. Com sua partida, eu o herdei. Não iria jogá-lo fora. Mesmo assim, pouco o uso. Em geral, só o uso aos sábados e domingos, das 13h às 15h, quando estou em meu boteco, limpando a serpentina antes de começar os trabalhos da tarde. Estou em estado randômico, tentando ver com quem almoço. Combinado o almoço, desligo o celular. De vez em quando, fora de casa, eu o uso para chamar alguém. Não gosto de ser chamado em meu boteco. Só três pessoas têm meu número. Mas sabem que é praticamente inútil chamar-me, a não ser aos sábados e domingos, das 13h às 15h.

Meu Motorola terá mais de década. De tanto ver amigos com objetos de um design sofisticado, pensei atualizar-me um pouco. Meu aparelho, apesar de ser o must em seus dias, hoje tem um desenho jurássico. E mal cabe no bolso, este é o problema. Vou comprar um aparelhinho fininho, pensei, elegante, e que tenha as funções básicas de enviar e receber mensagens. Admiti até a idéia de uma câmera digital. Às vezes vivemos situações que bem merecem uma foto e estamos sem a máquina. Foto implica um chip e um cabo USB. Vá lá! Mas não pretendia nada mais que isso. E saí à cata de um novo celular.

Só encontrei aparelhos providos de Internet, MP3 player, jogos, rádio FM, identificador de chamadas por foto e outros babados. Como se eu precisasse ver a foto de quem me chama para saber de quem se trata. Por outro lado, deve fazer uns trinta ou mais anos que não ouço rádio. Tenho rádio em casa em meu DVD e jamais o acionei. MP3 não me interessa. Quando vou a um bar não é para ouvir música, mas para conversar. Ou ler. Me ofereciam ainda formatos de áudio e de vídeo, mais mil posições de memória. Só o que faltava eu ver vídeos na telinha de um celular. Quanto às posições de memória, me dou por contente se tenho dez amigos. Para que quero espaço para mil telefones?

Eu queria um aparelhinho só pra falar e, quem sabe, fotografar – digo aos balconistas. Ah, isso é difícil – me respondem. Se fotografa, tem Internet. Pelo jeito, estamos vivendo um socialismo às avessas. No mundo socialista, só existiam produtos de baixa qualidade – quando existiam. Nestes nossos dias, pelo menos no que a celulares diz respeito, só encontramos o haut de game.

Me resignei aos novos tempos. Compro o mais baratinho que achar, decidi. Se tiver algumas funções que dispenso, paciência. Que sobre e não falte. Fui então a uma loja da Claro. Filas antes de chegar ao balcão. Senha para entrar na fila. Topei. Tinha a tarde pela frente e queria comprar um celular. Nos balcões, casaizinhos felizes, que saíam com um pacotinho com um ar de quem havia finalmente chegado ao paraíso. Curiosamente, parece que as pessoas só compram celulares aos pares. Só havia casais na loja. Ou mãe e filha. Ou pai e filho. O único cliente destoante era eu, que pretendia comprar um celular sozinho.

Esperei meia hora. Comecei a considerar que era um desaforo, em um país que se pretende capitalista, esperar meia hora para comprar algo. Logo eu, que não entro em fila nem para comer. Sem falar que estava me nivelando àquela gente toda, desesperada para comprar algo no período natalino. Em todo caso, me concedi mais quinze minutos. Sem maiores perspectivas de ser atendido nesse prazo.

Neste quarto de hora, refleti: quando chegar ao balcão, o vendedor vai me propor um celular com dezenas de funções. Funções que dispenso. Vamos discutir uns vinte ou trinta minutos e vou acabar comprando um celular que vai me deixar com um laivo de desagrado. Vou pagar caro por isso. Vou sair daqui me julgando um idiota.

Foi quando lembrei de meu mastodôntico Star TAC. Quer saber de uma coisa? – disse eu a mim mesmo. O que eu quero tenho lá em casa. Fotografar a parte, era exatamente o que eu buscava. Joguei minha senha no lixo e voltei pra casa em paz comigo mesmo.