¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, dezembro 31, 2009
 
FOSSE EU MILIONÁRIO...


Se há algo em que nunca apostei foi em loteria. Quer dizer, há séculos atrás, talvez tenha comprado algum décimo de bilhete, mais para ajudar o vendedor do que pensando em ganhar. Os jornais me dizem que o prêmio acumulado da Mega Sena especial da virada já está em R$ 130 milhões e pode chegar a R$ 140 milhões, segundo a Caixa Econômica Federal. O prêmio é recorde da Caixa em número de apostadores, 60 milhões, e em número de apostas, cerca de 180 milhões. É também o maior prêmio pago pelas loterias da Caixa até hoje, superando os R$ 64,9 milhões (que hoje seriam R$ 115 milhões) pagos em outubro de 1999.

Claro que isso suscita esperanças, esta virtude que mantém em pé boa parte dos brasileiros. E não só dos brasileiros. Na Espanha, por exemplo, Natal é o dia del gordo. El gordo é o prêmio maior da loteria espanhola. A cada fim de ano, há uma histeria nas casas lotéricas.

Estou fora disso tudo. Nem aposto. Ganhar o prêmio total para mim seria incomodação. Para começar, não poderia mais freqüentar meus botecos. Seria prisioneiro de meus seguranças. Teria ainda de providenciar segurança para meus parentes e pessoas que quero bem. Não, muito obrigado. Melhor ser remediado e poder andar pelas ruas sem maiores temores.

Com esse valor, dizem ainda os jornais, o premiado pode comprar 5.600 carros populares ou um condomínio de padrão médio com 700 apartamentos. Quanto a carros, eu não compraria nenhum, nem popular nem de luxo. Apartamentos, sim, mas não 700. Apenas três ou quatro.

Analistas consultados pelo UOL Economia recomendam investir o dinheiro. “A primeira coisa que deve ser feita é estudar. Contratar especialistas em vários ramos e estudar todas as possibilidades de investimento”, recomenda a economista Virene Matesco. Na opinião dela, pelo menos três meses são necessários para calcular a rentabilidade dos investimentos e planejá-lo. “O impulso pode atrapalhar o investidor”, diz.

Só o que faltava eu contratar uma equipe de economistas e estudar durante três meses o que fazer com a grana. A economista Myrian Lund sugere procurar um private bank, serviço bancário especializado para clientes que detêm quantias milionárias para investir. Ela informa que, geralmente, os gerentes de contas do private bank são especialistas em investimento. “Da mesma forma que, quando você fica doente, você deve procurar um médico para orientar com a medicação, quando você precisa investir, o mais indicado é procurar um profissional”.

Eu, que já me atrapalho com meus bancos mixurucas, não me imagino discutindo com gerentes de um banco para milionários. Aliás, ontem tive uma sensação de alívio extraordinária. Fechei uma de minhas contas. Saí leve do banco. São quilos de extratos que deixarei de receber por ano. Gostei tanto que acho que vou fechar outra.

Não aposto na sorte. Mas, se apostasse e fosse o infeliz contemplado, não consultaria especialista algum. Já falei disso. Compraria um apartamento em Paris, outro em Madri. Quem sabe uma casinha em Santorini e outra em alguma das ilhas Canárias. Mais um apartamento para a Primeira-Namorada, onde ela escolhesse. Desde que não fosse Oriente, países muçulmanos ou ex-socialistas, bem entendido. Nesses países, talvez até reservasse um pied-à-terre para algum de meus desafetos. Não me desagradaria oferecer moradia a algum deles em Cuba ou na Coréia do Norte. Desde que se comprometesse a ficar por lá pelo menos uns cinco anos. Ah! E mais uma casa confortável para minha fiel assessora de assuntos domésticos.

Para que tantos imóveis? - se perguntará o leitor. Bom, não seriam exatamente para mim. Estariam à disposição daqueles amigos e amigas que estimo e não têm condições de viajar. Dois meses em Paris para aquela amiga que sonha com Paris e nunca conseguiu chegar a Paris. Mais dois outros para apaixonados pela Espanha que nunca degustaram os encantos de Madri. Dois meses em Santorini para uma amiga que está estressada com uma tese sobre Erico Verissimo. Aquele porre de branco e azul talvez a induzisse a abandonar essa bobagem de doutorado em literatura. Mais outros tantos em Tenerife ou Lanzarote, para quem quiser conhecer algo insólito da Espanha. Não faria concurso. Meu critério seria presentear pessoas que me são próximas.

Reservaria talvez um décimo do prêmio – ou mesmo um quinto - para visitar meus hóspedes e passar algum tempo lá fora. Se algo sobrasse, financiaria estudos de jovens no Exterior, desde que encontrasse quem julgasse merecê-los. Pessoa alguma precisa de 140 milhões para viver bem.

Mas não se entusiasmem meus leitores. Não aposto em loterias. Prefiro viver de meu presente.