¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, dezembro 26, 2009
 
HALAKHAH E MATRILINEARIDADE:
PATERNIDADE É QUESTÃO DE FÉ



Leitor me pergunta quando os judeus optaram pela matrilinearidade como critério para ser judeu. Quando, não saberia responder. Mas não é critério da Bíblia, e sim da Halakhah. Não é só nos Evangelhos que a linhagem do Cristo vem de varão a varão. Já está no Gênesis, nas genealogias de Adão, Noé, Cão, Jafé, Sem, Tera.

Halakhah é jurisprudência de rabinos, um ramo da literatura rabínica que trata das obrigações religiosas às quais devem se submeter os judeus, tanto em suas relações com seu próximo como em suas relações com Deus. Engloba praticamente todos os aspectos da existência: o nascimento e o casamento, as alegrias e sofrimentos, a agricultura e o comércio, a ética e a teologia. Recorro a meu fiel Dictionnaire Encyclopédique du Judaïsme.

Os religiosos do Talmud que lançaram os fundamentos da Halakhah postulavam a existência de duas leis: a lei escrita tal como estava no Pentateuco, e a lei oral, transmitida de mestre a discípulo. Admitia-se, a título de artigo de fé, que a lei oral havia sido revelada a Moisés ao mesmo tempo que a lei escrita. Se a lei escrita ordenava: “tu não trabalharás no shabat”, a lei oral tinha por objetivo definir com precisão quais tipos de trabalho constituíam uma violação deste mandamento. É o que chamaríamos hoje, em termos laicos, de regulamentação de uma lei.

É a partir da Halakhah que surge a controvérsia da patrilinearidade. Ou matrilinearidade, conforme o ângulo do qual observarmos. Pois nos textos bíblicos, as genealogias são sempre masculinas. Segundo a lei oral judaica, “teu filho, nascido de umamulher israelita é chamado teu filho, mas teu filho nascido de uma mulher pagã não é chamado teu filho”. Assim, uma criança nascida de uma mãe judia é considerada como judeu independentemente da religião de seu pai ou do grau de observância ou conhecimento do judaísmo pela criança. No entanto, a criança nascida de um pai judeu e de uma mãe não-judia não é reconhecida como judeu, independentemente de sua prática ou conhecimento do judaísmo.

Sigo ainda meu fiel dicionário. Este critério tradicional para determinar a condição judia de uma criança foi posta em questão pelo judaísmo reformado e pelo reconstrucionismo. Em 1982, o movimento reformista adotou o princípio da descendência patrilinear como critério de judaicidade. Segundo este ponto de vista, o filho de um matrimônio misto entre um pai judeu e uma mãe não-judia, educado como judeu e observando os deveres do ciclo da vida judia, é considerado judeu sem ter obrigação de submeter-se à conversão. Uma criança nascida de uma mãe judia, sem consideração da religião do pai, é igualmente tida como judia. O movimento reconstrucionista adotou o princípio da descendência patrilinear em 1983.

Em resposta, a Assembléia rabínica do judaísmo conservador reafirmou, em maio de 1984, sua aceitação da exclusiva descendência matrilinear como fator determinante da judaicidade de uma criança. Da mesma forma, o judaísmo ortodoxo, seguindo a Halakhah, reconhece unicamente a descendência matrilinear.

Sábios sacerdotes, que há milênios perceberam que paternidade é uma questão de fé. Comentei, em crônica passada, a afirmação do professor de teologia e ciências da religião Fernando Altemeyer, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), de que “a ascendência entre os judeus vem de mãe, não de pai”. Pelo jeito, de tanto lidar com teologias, assumiu o judaísmo rabínico.

Pois esta ascendência matrilinear da Bíblia não consta.