¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, dezembro 15, 2009
 
SOBRE ESPANHA


Foram dias dos mais agradáveis, cansaço à parte. Já não tenho vinte anos e a Primeira-Namorada queria ver tudo. Ora, tudo é algo que nunca conseguimos ver. Pessoalmente, me contento com partes. Em minha primeira incursão pela Europa, lá no início dos 70, eu ainda tinha essa pretensão de ver tudo. Claro que não vi. Mas revirei o continente de sul a norte e de leste a oeste. Comecei por Lisboa, subi à Espanha, fui para o Reino Unido, segui por Bélgica e Holanda, Dinamarca e Suécia, voltei pela Alemanha rumo a Paris e desci até a Itália. Não me arrependo. Para se ter uma idéia geral da Europa é um bom projeto. Mas é bom que se tenha pernas para tanto. Em minha primeira viagem, em Barcelona, subi Montjuich a pé. Quem conhece o pedaço, tem idéia de meu feito.

Hoje, meu parâmetro de juventude é subir Toledo a pé. Em um dos filmes dos Monty Python, um profeta entre tantos que infestavam as margens do Jordão nos primeiros anos da era cristã, anuncia: “e chegarão os dias em que os homens esquecerão onde puseram os pequenos objetos”. (Cito de memória). Sim, esses dias chegarão. Mas minha concepção de apocalipse é um tanto distinta. Chegará o dia em que não conseguirei mais subir Toledo a pé. Será o fim dos tempos. Por enquanto, ainda não chegou. Enquanto não chega, visitamos aquela catedral magnífica que me faz chorar. Mais o Aurélio, é claro, restaurante onde imperam as perdizes toledanas, o cochinillo e o cordero lechal.

De Madri, fomos também para Segóvia. Questão de mostrar à Primeira o aqueduto. E também a Meson de Candido. Mais um cochinillo regado a bom Rioja.

Hoje, sou mais seletivo. Escolho apenas dois ou três países, de preferência um ao lado do outro. Nesta última viagem, preferi um só, Espanha. (Com uma perna em Portugal, para sentir o cheiro de Lisboa). O fato é que em um mês na Espanha pouco ou nada se vê. Oito dias para Madri, sete para Barcelona, quatro para Tenerife, cinco para Lanzarote. E três dias finais em Lisboa, que mais não seja para ouvir um fado e tomar uma ginjinha.

Foi bom. Em Madri, já na chegada, fui tomar um chinchón no Oriente, um de meus cafés prediletos. Oriente porque fica em frente ao Palácio Real, que está no Ocidente. Revisitei o Sobrino de Botín, destino obrigatório em Madri. E também o Gijón, café que sempre me impediu de chegar à Biblioteca Nacional, em meus dias de Complutense. Fica no Paseo de Recoletos, rua que separa o bar da biblioteca. Nunca consegui atravessá-la. Ficava no Gijón. Ou no El Espejo, uns cem metros adiante.

Revisitei meus museus prediletos, os del Jamón. Lá não tem quadros nem velharias. As paredes e o teto são revestidos por presuntos. Neles come-se bem e bastante barato, coisa de dez euros por entrada, prato principal e sobremesa. Tentei visitar um daqueles museus antigos que juntam velharias, o Thyssen-Bornemisza. 48 salas. Lá pela 15ª, desisti. Deixei a Primeira-Namorada visitando as salas e fui ler jornais nos bancos dos corredores. São tantas as pinturas que a memória não guarda. Então, de que me adianta vê-las? Decididamente, não tenho mais paciência para museus.

Ainda em Madri, visitei um restaurante à primeira vista atraente, La Favorita. Nele, os garçons são estudantes de música que interpretam óperas. Quanto às árias, tudo bem. Naquele dia, um tenor e uma soprano nos renderam momentos divinos. Terminamos a noite com um “Libiamo”, da Traviata, cantado pelos cantores e pelo público. Mas... olhando melhor, tenor e soprano estavam fantasiados de garçons. Eles não serviam. Até aí tudo bem. Não insisto em ser servido pela Violetta nem pelo Alfredo. O problema foi a comida. Fria e ruim. Que fazer senão compensar no vinho? O saldo, diria, foi positivo.

Mais a indefectível visita ao Venencia, boteco na Calle de Etchegaray, onde só se toma jerez. Imperdível, com o teto e paredes pretas pelo mofo do tempo. É um dos botecos que mais me agrada em toda a Europa.

Mais Barcelona, cada vez mais linda. Aquela Barcelona onde, um dia, ingênuo, subi o Montjuich a pé. Agora – e nas últimas vezes – fui de teleférico. Barrio Gotico, Paseo de Colón, Paseo Marítimo, Barceloneta, Los Caracoles, el Salamanca, Mi Burrito y Yo. Mais Montserrat, monastério a uma hora de trem da capital catalã . Montanha soberba, foi considerada por Goethe um dos lugares mais aprazíveis do mundo. Passei uma tarde lá. Mas considero que o melhor deve ser passar uma noite. Com luar e estrelas, Monserrat deve ser um grande momento na vida de qualquer viajor. Fica para a próxima.

De Barcelona, fomos para Tenerife, ilha onde impera o Teide, um vulcão ainda ativo. Na geografia do Teide, região árida e sem vegetação alguma, pura lava, você se sente percorrendo a lua. De Tenerife, fomos para Lanzarote, ilha espanhola na costa do Marrocos. Aí o jogo é mais duro. 300 vulcões, metade deles ativos. Eles conseguem extrair vinho da lava. Os vinhedos são formados por semicírculos de pedra. Em cada um há uma vinha, plantada na lava. Como praticamente não chove na ilha, põe-se em torno à vinha picón, cinza de vulcão, para absorver a umidade noturna. Os semicírculos de pedra servem para proteger a planta dos ventos da África. E da lava se extrai o vinho. Haja vontade de beber.

Em Timanfaia, a região mais quente da ilha, há um restaurante, onde as carnes são assadas no calor dos vulcões. Dois quilômetros abaixo do restaurante há um veio de lava. Uma fissura sobe até a superfície, onde se construiu uma espécie de bocal de poço. O churrasco que se come é assado pela lava.

Foram dias de muita música e muito vinho. Flamenco e sardana em Barcelona, folias em Lanzarote e fado em Lisboa. A sardana, dança catalã, é algo muito particular. Uma orquestrinha se posta em frente à catedral, pessoas vão se aproximando e de repente está todo mundo dançando. Gente que nunca se viu se dá as mãos e passam a saltitar em círculos concêntricos. Considero a sardana talvez a maior manifestação espontânea de confraternização e afeto entre pessoas de todos os quadrantes, que jamais se viram e, por uma boa hora, dançam como se fossem velhos conhecidos.

Prometi escrever algo sobre a última viagem. Mas vivemos em dias de Internet. Melhor ver a viagem do que ler sobre ela. As fotos estão todas devidamente legendadas e posicionadas em um mapa mundi, obra da Primeira. Estão em duas pastas:

Espanha: http://www.flickr.com/photos/isapgm/sets/72157622850414052/

Lisboa: http://www.flickr.com/photos/isapgm/sets/72157622976926706/

Também se pode navegar por nome de cidade, a partir das tags.

Exemplo: Segovia - http://www.flickr.com/photos/isapgm/tags/segovia/

Bom passeio, leitor!