¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, janeiro 24, 2010
 
CRISTO INVADE CRUZEIROS


Final do ano passado, falando da vulgarização das viagens marítimas, comentei o 1º Cruzeiro Católico - Navegando com Nossa Senhora, no qual por até R$ 2.404, peregrinos embarcarão, em fevereiro próximo, para uma viagem de quatro dias no navio Grand Celebration, com capacidade para 1.800 pessoas e 600 tripulantes. Você não embarca em um barco. Embarca em um templo. Claro que logo adiante teremos o 1º Cruzeiro Evangélico, quem sabe o 1º Cruzeiro Neopentescostal. Navegando em nome do Senhor!

Cala-te boca! Antes que este cruzeiro de carolas partisse, um outro já está de volta. Sexta-feira passada, o Vision of the Seas, da Royal Caribbean, atracou em Santos, com um grupo de fiéis organizado pela Renovação Carismática Católica, com direito a padres cantores, cantores religiosos, pregadores DJ's do grupo Electro Cristo e até um profeta moderno, o tal de Ironi Spuldaro. Passageiros desavisados que embarcaram nesta fria, até hoje se arrancam os cabelos.

Diz um publicitário na Folha de São Paulo de hoje: “A gente embarcou no dia 18 no Vision of the Seas, achando que ia se divertir pra caramba. Mas foi o cruzeiro mais chato da minha vida". Mulheres de biquíni na piscina, bebida rolando solta, jogatina liberada no cassino equipado com mesas de carteado, roletas e caça-níqueis. Tudo isso tendo como cenário as praias de Búzios e Ilhabela.

Diz uma empresária: “Quando compramos o pacote, ninguém nos avisou que embarcaríamos no mesmo navio de um tal de cruzeiro católico. Achamos que fosse um cruzeiro normal. Segundo um funcionário público, que também tomou a canoa furada, “ficou estranho demais. Logo que subimos a bordo, estava um calor incrível e resolvemos tomar um banho de piscina. Não deu. Vieram nos avisar que, bem ali, no deck da piscina, seria realizada a primeira missa do cruzeiro. Não nos sentíamos à vontade para ficar em trajes de banho enquanto se falava do corpo e do sangue de Cristo”.

Surprise, leitor! Você pensa ter embarcado em um navio e descobre, já no meio do mar e sem chance de voltar, que embarcou num templo. 850 religiosos pagaram um mínimo de R$ 1.564,00 per capita para fazer a "viagem superior" a bordo do cruzeiro católico.

"Jesus na piscina? Eu sou católica, mas acho que igreja é igreja e navio de lazer é navio de lazer – disse outra empresária –. Misturar as duas coisas é complicado. Eles olhavam feio se a gente estava de biquíni, se estava tomando bebida alcoólica, se falava alto, se jogava, se ria. O cassino ficou vazio. Nem o truco foi perdoado. Parecia que a gente estava invadindo a praia deles".

O Vision tem capacidade para 2.435 passageiros. Ou seja, um terço deles, em nome de suas superstições, se julga no direito de censurar como você veste, o que você bebe, como você fala, se gosta de jogar ou de rir. Segundo a Royal Caribbean, não se tratava de um cruzeiro temático, logo não justificaria um eventual aviso sobre a presença de católicos a bordo. "De fato, existia um grupo numeroso de católicos a bordo, mas foi um grupo como tantos outros que já viajam conosco. Para esse grupo, como é de praxe em virtude da quantidade de pessoas, foram feitas algumas programações especiais, as quais foram realizadas em salas separadas ou até mesmo nos locais públicos do navio, desde que não prejudicassem o andamento normal do cruzeiro".

Leitor me envia notícias de um cruzeiro gospel, realização da Record Trips by CVC, fundada em parceria com a agência de viagens Record Trips e a operadora CVC. Trata-se do CVC Imperatriz. O evento tem duração de três dias (de 17 a 20 de março) e contará com a participação de grandes cantores da música gospel: Regis Danese, Soraya Moraes, Mara Maravilha, Robinson Monteiro, Jamily e o tenor Marcio José. Jamais ouvi falar destes senhores e senhoras. Mas, pelo jeito, há quem os curta.

Desde que me conheço por gente, leio os jornais todos os dias e confesso jamais ter ouvido falar de cruzeiros religiosos que não em nossas costas. Depois que a CVC monopolizou os cruzeiros e impôs sua sigla aos transatlânticos, embarcar em um deles se tornou um risco. Os templos, não satisfeitos com invadir os continentes, estão tomando conta dos mares. Quando você toma um navio, você está tentando se evadir das coisas da cidade. De repente, sem que você esperasse, um monte de padres e outro monte de malucos tomam conta da piscina.

Coisas nossas. Como a jabuticaba, que só dá no Brasil. E se só dá no Brasil, boa coisa não há de ser. A CVC, desde há muito, virou sinônimo de viagens para panacas.