¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, janeiro 01, 2010
 
EMBUSTES DE FIM DE ANO


Pessoas esperando doze horas em uma estrada, antes da liberação de um trecho. Outros levando quatro horas para chegar à Baixada Santista, percurso que normalmente se faz em uma hora. Fotos de primeira página nos jornais, de rodovias repletas de carros parados em filas triplas.

Flagrantes da humana estupidez. Ou da paulistana estupidez. Você, que não é paulistano, admitiria ficar doze horas dentro de um carro esperando para entrar numa estrada? Depois há quem se queixe quando espera quatro ou cinco horas em um aeroporto, onde pelo menos pode ir a um bar ou restaurante. Ora, em doze horas chego a Amsterdã. Em onze, estou em Paris. Em dez, chego a Madri. Em nove, estou em Lisboa. Haja estupidez para esperar doze horas para chegar a Bertioga.

É uma idiotice tipicamente paulistana. Conheço pessoas que até ostentam um certo laivo de orgulho. Jactam-se, com manifesta satisfação: “fiquei dez horas na estrada”. Como se fosse sinal de pujança econômica o engarrafamento nas rodovias. Verdade que não deixa de ser. Cem quilômetros de lentidão, mancheteiam os jornais. Por lentidão, leia-se engarrafamento. Não é coisa de fim de ano. Esta tortura – que para alguns parece ser prazer – se repete a cada feriadão.

Ora, conheço muitas cidades de países de economias pujantes, onde tais engarrafamentos não ocorrem. Existe no Brasil uma malta de afonsocelsistas que se orgulham até de poluição. Poluição é progresso, ouvi certa vez de um tio meu, que adorava ver um céu turvo em Livramento.

Isso sem falar nas orgias gastronômicas de fim de ano. Mal chega o Natal, revistas e jornais alertam contra os abusos de mesa. Hoje, primeiro dia do ano, não há jornal em que não se leia como contornar a ressaca. Que ressaca? – me pergunto. Já passei por 62 natais, mais 62 réveillons e nunca soube o que é ressaca. Jamais comi nada nessas datas além do que como no dia-a-dia. Beber, idem. Alguém precisa ser muito panaca para estourar o fígado só porque é Natal ou réveillon. Pelo que intuo da leitura dos jornais, há milhões de panacas no Brasil.

Ah! Nunca comi peru em Natal. Porque se há de comer perus no Natal? Onde está escrito isto? Para começar, nem gosto de peru. Se comi duas ou três vezes na vida, foi muito. Fosse faisão, vá lá. No fundo, tudo não passa de uma pesada campanha publicitária, com a qual os jornais são coniventes. Mas não há agência alguma de publicidade empurrando perus aos consumidores. Quem os empurra é a imprensa. Resulta que muito pobre diabo acaba se sentindo o último dos homens se não come peru no Natal. No dia seguinte, os jornais oferecem os antídotos.

Pior que tudo, são as tais de ceias. Só porque é Natal ou Ano Novo, os restaurantes se julgam no direito de dobrar e mesmo triplicar os preços. Há casas que têm a insolência de pedir adiantado metade do preço da janta. Mas como vou pagar metade do preço se não sei o que vou comer? Ou me será empurrado um prato padrão, sem que eu tenha direito a opção? Pelo jeito, há multidões que engolem esta imposição, pois não é fácil reservar mesa nessas datas. Há hotéis, segundo me contam, que cobram quatro ou cinco mil reais por uma ceia, hospedagem incluída. Ora, por esse preço vou e volto a Paris, fico lá uma boa semana e faço cinco ou seis jantas em restaurantes excelentes e relativamente baratos.

Não, não participo deste embuste. Verdade que já fiz uma ou duas dessas ceias, quando em viagem. Foram suficientes para não voltar a pensar no assunto. Hoje, faço um bom almoço e reservo a noite para ficar só... de preferência com alguém que também esteja só. Ficamos então curtindo boa música e bom champanhe, ligando de vez em quando a televisão para assistir de camarote a insânia do mundo.

Em feriadões, jamais saio de São Paulo. Um, dois, três milhões de carros saem da cidade. Que assume um simpático ar de aldeia. É o melhor momento para visitar aqueles restaurantes nos quais sempre há filas. E para curtir o súbito silêncio da cidade. Adoro esta cidade deserta.

Verdade que hoje estava deserta demais. Não digo pela ausência de carros, que para mim é sempre prazerosa. O problema são os restaurantes. Em meu bairro, que tem fama de gastronômico, só encontrei dois abertos hoje.

Ok! Um só já me é suficiente.