¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, janeiro 21, 2010
 
FASANO E O FILODÓRIMA


Os garçons são os homens de minha vida, costumo afirmar. É profissão extremamente delicada. Muitas vezes o cliente é grosseiro e o garçom, por ofício, tem de ser gentil. Muitas vezes sua mulher está morrendo de câncer num hospital e ele tem de portar um eterno sorriso ao atender o cliente. Tenho profundo respeito pelos garçons. São os profissionais mais presentes em meu dia-a-dia e mantenho com todos uma relação muito boa.

Antes de ir adiante, um episódio significativo. Tive amiga que se queixava da grosseria dos garçons em Madri. Que ela levantou o braço e recebeu uma carraspana de volta. Nos es así que se llama un camarero. Ora, em primeiro lugar esta é a fórmula universal de chamar a atenção de um garçom. Em segundo, vivi lá durante um ano e nunca vi isso. (Há quem fale da grosseria dos garçons em Paris. Ora, vivi lá quatro anos, volto lá quase todos os anos, e jamais vi garçom mal-educado em Paris). O que acontece, na Espanha, é que o garçom não vem mostrando os dentes quando o aborda. Ele o trata de igual para igual. Diferentemente do Brasil, onde o garçom tenta agradá-lo. Desafiei a moça. Vamos a Madri. Vais ter de me mostrar onde estão os garçons grosseiros.

Fomos. Não encontrei nenhum. Lá pelas tantas, ela inventa de chamar um garçom. Levantou o braço e estalou os dedos. Então entendi. Não há garçom que suporte um estalar de dedos. Dedos, a gente estala pra cachorro. Volto ao Brasil.

Gorjeta é coisa antiga. Em grego, é filodórima. Algo como o presente, a oferta do amigo. Vem de filodoria, generosidade. Assim, quando sou bem atendido, retribuo a pessoa que bem me atende com um gesto generoso. E retribuímos com prazer. Mas se você pensa que sua filodoria vai para o garçom, em muito se engana. Ano passado, só no Estado de São Paulo, eram sete mil as ações de garçons contra estabelecimentos que não repassam o valor aos funcionários. No Rio de Janeiro, de cada 10 reclamações que chegam ao sindicato da classe, oito são sobre o repasse das gorjetas.

Em junho do ano passado, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal (CCJ) aprovou projeto de lei que regulamenta a cobrança pelos bares e restaurantes, além do repasse da gorjeta aos garçons em todo o País. O documento ainda deve passar pelo Senado. A nova lei estabelece que a gorjeta seja incorporada ao salário do profissional, com pagamento de encargos sociais, permitindo que o trabalhador tenha acesso a crédito e outros benefícios.

Um dos maiores opositores à nova lei é o grupo Fasano, que acabou se rendendo ao assinar acordo com o sindicato dos garçons de São Paulo, para repassar integralmente a taxa de serviço para os funcionários. Mas... 35% desse valor são descontados para encargos trabalhistas. Assim, se você dá um filodórima de 20 reais a seu amigo, ele só vê a cor de 13.

Vamos ao que interessa. Há algumas semanas, falei de uma entrevista com Rogério Fasano, aquele senhor que cobra 27 reais por um pãozinho com manteiga, o mesmo preço que pago em Paris ou Madri por uma refeição com entrada, prato principal e sobremesa e, com sorte, um demi pichet de vin. Leio hoje na coluna de Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo:

O grupo Fasano, como grande parte dos restaurantes, acumula processos de ex-empregados que reclamam não só de direitos trabalhistas sobre a taxa de serviço como do desconto de itens perdidos, como copos quebrados e talheres desaparecidos.

Ora, na entrevista na Veja, Fasano dizia algo um pouco diferente:

- Isso é uma coisa que eu gostaria de esclarecer, porque ninguém no Brasil sabe o que é couvert. A palavra francesa vem do italiano coperto, que quer dizer, literalmente, "cobertura". É aquilo que o restaurante cobra para garantir a reposição do que ele considera importante oferecer ao cliente. No meu caso, o copo de cristal Riedel que custa 30 dólares e que cedo ou tarde vai se quebrar, a porcelana importada, a toalha de linho egípcio etc.

Ou seja, Rogério Fasano está cobrando duas vezes o copo quebrado. Cobra do garçom e cobra do cliente. É muita mesquinharia para quem se pretende um dos grandes restauradores de São Paulo.