¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, janeiro 29, 2010
 
PORQUE OS HOMENS PAGAM (I)


Semana passada, The Guardian andou publicando uma pesquisa sobre os motivos que levam os homens a pagar por sexo. O levantamento internacional focou nas respostas dadas pelos entrevistados britânicos aos pesquisadores. Doze homens foram entrevistados para a reportagem.

Um deles contou sobre sua experiência de crueldade e negligência durante a infância e conectou isso com sua inabilidade de ficar íntimo de qualquer pessoa, especialmente mulheres. Alex admitiu que sexo com prostitutas o faz se sentir "vazio", mas não tem idéia de como poderia fazer para conhecer mulheres da maneira tradicional.
– Minha prostituta ideal é aquela que não age como uma – disse o entrevistado. – Precisa fingir que é minha namorada ou um encontro casual, não uma forma de ganhar a vida ou algo mecânico. Para uma terceira pessoa deve parecer que estamos apaixonados.

Outro entrevistado, Darren, era jovem e atraente. Perguntado sobre se ele achava que as garotas de programa com as quais transou haviam curtido o sexo, ele respondeu:
– Não quero que elas sintam nenhum prazer. Estou pagando para ter sexo e é o dever dela dar prazer a mim. Se ela curtisse, inclusive, eu me sentiria traído.

Um outro entrevistado, quando questionado sobre se a prostituição um dia terminaria, respondeu com uma grande gargalhada: "Matem todas as garotas de programa" para que isso aconteça.

Segundo o Guardian, uma das descobertas da pesquisa é intrigante: alguns entrevistados mencionaram homens que "precisariam" estuprar alguém se não pudessem pagar por sexo. Um deles disse o seguinte:
– Quando você acha que estupraria alguém, você pode compensar e ir numa prostituta. Um homem que precisa de sexo tão desesperadamente poderia sim estuprar alguém.

Quase a metade dos entrevistados que pagaram por sexo no Reino Unido disseram que sua primeira experiência com prostitutas ocorreu quando tinham menos de 21 anos.
– Meu pai levou a mim e meu irmão mais velho – disse David, um dos homens participantes do projeto. – Meu pai pagou por tudo. Talvez ele quisesse apenas ter certeza de que meu irmão e eu não éramos gays. Acho que ele nunca contou isso para minha mãe.

Bob, outro homem entrevistado, compartilha sua teoria:
– Homens que pagam por sexo porque dá a sensação de que podem ter o que quiserem e quem quiserem na hora que desejarem. Muitos homens vão a prostitutas porque aí podem fazer coisas que mulheres reais não topariam.

Ainda que alguns homens tenham dito que as mulheres também curtiram o sexo, muitos outros admitiram que a garota de programa deveria estar se sentido "enjoada", "miserável", "suja" ou ainda "assustada".

Segundo o jornal, sempre há uma deficiência qualquer de caráter em quem busca as profissionais. Um teve experiências cruéis durante a infância, outro precisa que a mulher finja, outro não admite que a mulher goze, outro estupraria se não tivesse sexo pago. A intenção da reportagem parece ser definir como doente todo homem que paga profissionais.

Ora, conheço muita gente saudável que usufruiu dos prazeres do sexo pago. Entre eles, este que vos escreve. Usufruiu, disse. Falo no passado, porque hoje a prostituição se taylorizou. Aqueles cabarés onde a gente precisava namorar um pouco antes de escolher a moça não mais existem. Hoje é vapt-vupt. Se antes as profissionais mediam seu tempo em horas, hoje este tempo é medido em minutos. Os anúncios de jornais são um salto no escuro, você não sabe o que terá pela frente. Como disse um dia Paulo Francis, o que está matando a prostituição é o amadorismo.

Fiz boas amigas neste mundinho e nossas relações foram muito ternas. Meus melhores dias foram os de UFSC, em Florianópolis. Eu saía tenso das reuniões de departamento, verdadeiros aquelarres onde bruxas hediondas insistiam em amarrotar egos alheios, e ia relaxar numa sauna no centro da cidade. Havia algumas meninas que preparavam vestibular no bordel e eu lhes dava aulas de português, história, literatura. De modo geral, eu não esquentava banco no bar. Ia direto para a cozinha, conversar com minhas discípulas. Que me conste, era o único cliente com direito a freqüentar a cozinha. Ganhei naqueles dias um título que me honra mais que o de Dr. Era chamado de Professor Paixão.

Muitas vezes as fiz chorar. Sem querer. É que às vezes levava flores às minhas diletas. E não há prostituta que não se sinta comovida quando recebe flores. Ela se sente gente, se sente respeitada. Não se sente apenas um pedaço de carne, mas espírito. Quando as via na Felipe Schmidt, naquelas circunstâncias em que os clientes mudam de calçada para não vê-las, eu as abraçava e convidava para um café no Senadinho. Disse-me um dia minha mulher: feliz da prostituta que te tem como cliente.

Minha educação, de certa forma, ocorreu em bordéis. Já contei. Nos dias de Dom Pedrito, eu participava de um pequeno grupo de cinco ou seis adolescentes. Tínhamos desejo de conhecimento, líamos muito, desde Platão a Cervantes, passando por Descartes e Montaigne, Tomás e Agostinho. Nossos pais não gostavam de tanta leitura e menos ainda dos debates subseqüentes. Tínhamos de procurar alguma ágora para nossas tertúlias. Como os escassos bares fechavam cedo e os invernos lá da fronteira são vergastados pelo minuano, nosso último recurso eram os bordéis, onde discutíamos desde a enteléquia aristotélica até a constitucionalidade ou não da reforma agrária.

Com o tempo, vendo que daqueles bolsos saía tudo menos grana, as profissionais decidiram pôr uma atalaia para vigiar nossa chegada. Mal nos aproximávamos, fechavam a casa: "Lá vêm os filósofos, a noite está perdida".

Enfim, sempre tive alguma proximidade com esse universo. Uma de minhas primeiras reportagens, em 1969, para o Diário de Notícias, de Porto Alegre, se intitulava “Porque os homens pagam”. Antecipei o Guardian em 40 anos. Eu vivia entre amigos que não dispensavam as moças. Entrevistei-os, queria saber porque pagavam.

Minha reportagem foi censurada. Na época, pasme o leitor, os jornais não admitiam a existência de prostitutas no Brasil. Só consegui publicá-la dois anos mais tarde, quando assinava coluna no jornal. Transcrevo-a amanhã. Vejo que permanece atual.