¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, janeiro 30, 2010
 
PORQUE OS HOMENS PAGAM (II)*


Chamam-se assim, minha muito querida, essas vítimas públicas do deboche dos homens, sempre prontos a entregar-se ao seu temperamento ou ao seu interesse; felizes e respeitáveis criaturas que a opinião pública infama e a volúpia coroa, e que muito mais necessárias à sociedade do que as recatadas, têm a coragem de sacrificar, para servi-la, a consideração que essa sociedade ousa negar-lhes injustamente. (Marquês de Sade).

Eliminai as mulheres públicas do seio da sociedade e a devassidão a perturbará com desordens de toda a espécie. São as prostitutas, numa cidade, a mesma coisa que a cloaca num palácio; suprimi a cloaca e o palácio tornar-se-á um lugar sujo e infecto. (São Tomás de Aquino).


Em muitas casas de Porto Alegre, vamos encontrar em cada fim de semana, 40, 50 automóveis. Cada visitante que não se satisfaça com uma rápida olhada, gastará um mínimo de Cr$ 100,00. Para uma farra memorável, como diria o Divino Marquês, seriam necessários uns Cr$ 500,00. Ora, quem se permite tais gastos, bem pode sustentar uma família e diversas filiais. Ademais, estamos vivendo um momento histórico no qual, mesmo na província, as relações sexuais pré-matrimoniais são relativamente comuns e inclusive já aceitas sem restrições por setores mais esclarecidos da população, em especial pela juventude universitária de ambos os sexos.

A seleção sexual não ocorre apenas sob o signo da aptidão física. “A vitória não depende do vigor sexual, mas dos implementos”, dizia Darwin. Um touro, por exemplo, sendo o sexualmente mais apto, poderá perder sua fêmea para outro sexualmente menos apto, mas que possua aspas mais afiadas. E quais são os implementos do homem moderno que compensam sua carência de atributos eróticos?

O carro, as vestes, o apartamento, a carteira recheada. Em outras palavras, aptidão econômica, fator que influirá decisivamente nas relações inter-sexos. Se o “pão”, além de pedestre, estiver com os bolsos vazios, estará em grande desvantagem em relação a qualquer raquítico que esteja motorizado, ou com superávit na carteira. É claro que estes fatores não significam necessariamente uma estrondosa vitória, mas roubam de nosso “pão” 95% de suas possibilidades.

Considerando-se então que os grandes problemas sexuais de um indivíduo, em nossa sociedade, são antes de tudo problemas econômicos, não há, aparentemente, razões para que um homem, com sólida situação econômica, prefira, a relações espontâneas – e muitas vezes complementadas afetivamente – relações mercenárias, mecânicas e frias. No entanto, a prostituição não existe apenas devido à necessidade econômica das que a praticam, mas também devido às necessidades eróticas dos que as pagam. Inexplicavelmente, este aspecto é sempre omitido em qualquer abordagem do problema.

As razões serão múltiplas. Há os que se entediam com “o respeito às etapas do orgulho feminino”, de que falava Stendhal, como condição da cantada. Outros, ao pagamento em prestações, preferem-no à vista. Outros ainda, sentem-se já muito idosos para usufruir os benefícios da revolução sexual que começa a implantar-se.

Um homem distraído

Ribeiro tem 49 anos, é solteiro, funcionário público e recentemente bacharelou-se em Direito. Envergando sempre uma simpatia a toda prova, é uma daquelas raras pessoas que pode orgulhar-se de não ter desafetos. Seu segredo:

- Por pior que uma pessoa, sempre existe nela algo de bom. É valorizando sempre esse algo bom, que me aproximo de todos.

Interrogado com mais especifidade, Ribeiro responde:

- Não me lembrei de casar. Então me socorro dessas mulheres.

Para Ribeiro, um dos motivos que leva um homem (de recursos módicos, esclarece) a pagar, seria a falta de apartamento para um encontro amoroso. Nem todas as mulheres se submeteriam ao vexame de entrar em um hotel, de assistir até mesmo a troca de lençóis recentemente usados. Com a profissional não existe este problema. Ela está ali para isso.

- Depois, por uma questão de comodismo, muitos homens não querem, ou não podem, perder tempo com a conquista, na criação de condições que levariam uma mulher a dormir com ele por amor.

- Em minha época, tudo era diferente. Existiam certos critérios na escolha de uma mulher. Ou se procurava uma simplesmente para uma noite, ou buscava-se para casar. As uniões extra matrimoniais eram então pouco convenientes: traziam todas as desvantagens do matrimônio, sem nenhuma de suas vantagens.

- Também existia o problema do ônus pago: advinda a gravidez, éramos nós que tínhamos de optar entre criar um filho ou abortá-lo. Com a prostituta, não nos cabe essa responsabilidade, ela sabe o que fazer.

Opina um crítico literário

Jaime, professor de filosofia e crítico literário, assim equaciona o problema:
- Os homens pagam porque sentem necessidade de valorizar as relações de intimidade. Se o sexo fosse gratuito, não teria valor. Pelo outro lado, o dinheiro é um meio concreto de conquistar com mais facilidade uma mulher, reduzindo-a à condição de objeto e instrumento de prazer.

Metódico e exigente

Araújo tem 34 anos, é jornalista, seu físico não é exatamente o que chamaríamos de apolíneo. Tem grandes chances com as mulheres, jogando-as fora na maioria das vezes. Seus hábitos são mais ou menos fixos: faz uma visita mensal à Mônica**, casa que freqüenta desde a juventude.
- Se não se dorme com a mulher que se quer, tanto faz que a que conseguimos seja paga ou não. É muito mais vantajoso pagar do que representar a comédia da conquista. Se essa comédia, em outros tempos, era para mim uma aventura, hoje, em minha idade, entendia-me. Não sou mais capaz disso. Às vezes me relaciono com colegas de trabalho, amigas comuns, mas dá muito trabalho, exige no mínimo uns vinte dias de assédio.
Araújo concluí:
- Durmo na cama de todas as mulheres que posso, mas não admito que qualquer uma durma na minha. A prostituta é a única mulher que jamais nos fará mal. Todos se queixam das mulheres. Mas jamais de uma prostituta. (Continua).

* Porto Alegre, Diário de Notícias, 25.09.71
** Antigo bordel de Porto Alegre, famoso por seu quarto de espelhos