¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, janeiro 30, 2010
 
PORQUE OS HOMENS PAGAM (III)*


Um homem puro, em busca
de habilidade profissional


28 anos, ótima aparência, portando um tipo físico atraente a qualquer mulher, delegado de polícia:

- Antes da mulher paga, buscamos a mulher livre e emancipada, com quem possamos nos relacionar sexual e afetivamente. Se recorremos ao amor pago, é por falta de oportunidade de encontrarmos essa mulher. Por outro lado, queremos evitar compromissos: pagamos e estamos livres de problemas.
- Sempre julgamos que a prostituta vai oferecer um ato com mais requinte e habilidade, pois afinal de contas é uma profissional.
- Nós, solteiros, somos no fundo românticos, não somos tão devassos como a época moderna insinua. Estamos sempre em busca da mulher para a qual reservamos aquela castidade que não é maculada por nossas contínuas relações. Acho que, sob o aspecto espiritual, nós que copulamos diariamente, praticamos um ato de rotina, meramente glandular. Mas, no fundo, somos castos.
- Também admito que uma mulher possa continuar pura, após muitas relações. Isso geralmente não é admitido devido a nossa formação machista, da qual advém o culto ao hímen, a himenolatria, que atualmente está sendo derrubado. A mulher, que até hoje vinha sendo usada, está evoluindo, se descoisificando.

Mais vale um gosto
do que um vintém


Elinor é universitário, 27 anos, quintanista de Direito:

- O preço que se paga a uma mulher é o mesmo preço do esforço para conquistá-la. Sendo o homem por natureza hedonista, procura sempre o caminho mais fácil, mais imediato, o da profissional.
- Mais vale um gosto do que um vintém. Quando um homem deseja uma mulher, ele faz qualquer coisa para possuí-la e, se for o caso, paga. Mesmo tendo plena consciência de que uma mulher conquistada por amor lhe dê maior satisfação, tanto sexual como espiritual, no momento em que se depara com uma prostituta, o homem sente-se excitado, com os instintos despertos, e não mede meios para satisfazê-los. O dinheiro é um obstáculo facilmente superável.
- Muitas vezes nos relacionamos com nossas colegas de faculdade, mas estas são mais difíceis, por uma série de fatores, e um deles é a grande concorrência. Nos servimos mais das prostitutas, nos lapsos que decorrem entre uma e outra colega.

A penicilina e a pílula

Ferreira é farmacêutico, casado, 35 anos, tem dois filhos adolescentes, um rapaz e uma moça:

- Normalmente, só vou a inferninhos para levar amigos que chegam do interior. Mas penso que posso dar algumas opiniões interessantes a respeito do problema, principalmente em virtude de minha profissão.
- Evidentemente, hoje existe muito mais facilidade de um relacionamento pré-matrimonial sadio. Em minha época, existiam dois fantasmas, hoje conjurados pela ciência: as doenças venéreas e a gravidez. A descoberta da penicilina ocorreu em minha juventude. A partir daí houve um grande incremento nas relações fora do matrimônio. Um outro fator positivo foi a descoberta da pílula, que está originando a transformação que estamos assistindo.
- Porém os benefícios desta revolução ética só serão usufruídos por meus filhos, que convivem com as pessoas responsáveis por esta reviravolta, os jovens da década passada. Com meus 35 anos e esta barriga estou mais ou menos impossibilitado de juntar meus esforços a esta luta.

Frustações e inibições

Um outro delegado de polícia assim opina:

- O ato sexual com a prostituta é descomprometido, atende o egoísmo de quem a compra. A contraprestação é uma simples remuneração financeira. O casamento, a mancebia, a amante paralela ao casamento, exigem mais responsabilidades e determinam complicações a mais. Acresce ainda que, para muitas pessoas, o ato sexual não é mais do que uma necessidade fisiológica, sendo prescindido o fator de comunicação entre os seres que seria parte integrante de um colóquio carnal em termos ideais.
- Sem dúvida, de outro lado não podemos esquecer as frustrações e inibições sexuais determinadas por motivos vários, que desencorajam aquele homem que recorre a uma profissional para uma tentativa sadia de conquista ou aproximação sexual.
- Pode-se dizer também que certas pessoas vêem na esposa uma amante com cunho excessivamente espiritual, procurando então a satisfação completa no amor mercernário.

À guisa de conclusão

Estas declarações situam, de modo genérico, as principais razões pelas quais um homem prefere pagar uma mulher a conquistar uma amante. Delas deduzimos ser falso e ingênuo afirmar que a causa fundamental da prostituição é a necessidade econômica da mulher que vende seu corpo. Antes disto, existe a necessidade masculina de carne paga. Conjugadas estas duas motivações, a prostituição surge como uma instituição – aqui e agora – tão importante quanto a família.

Diante de fatos, não cabem deplorações.

* Porto Alegre, Diário de Notícias, 26.09.71