¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, fevereiro 17, 2010
 
PLÁGIO DO "CORRESPONDENTE":
Estados Unidos da França



Era uma vez um sentimento que o vento levou. A antipatia dos americanos com os franceses, ou pelo menos, de parte deles, já não é tão epidérmica como outrora. Houve o tempo, para mencionar o alto grau de repelência, que se chegou mudar, no cardápio do restaurante do Senado americano, o nome da guarnição french fries (batatas fritas à francesa) para liberty fries (batatas fritas da liberdade). O candidato democrata derrotado para presidência dos EUA, John Kerry, evitava mencionar suas origens francesas e, quando era entrevistado por jornalistas franceses, embora fale com fluência o idioma do dramaturgo e ator Jean-Baptiste Poquelin, o Molière (1622-1673), respondia em inglês. Qualquer laço com o país contrário a invasão do Iraque, pegava bem mal. A vitória de Nicolas Sarkozy, admirador sem entraves e dissimulações dos EUA, ajudou a reaproximação de dois velhos países aliados — passaram décadas como cão e gato, ainda que nunca guerrearam entre si. Curiosamente, a maior crise financeira desde 1929, fez o resto. Dela emergiu uma semelhança que vamos chamar aqui de Estados Unidos da França.

Os EUA acabam de nacionalizar seu sistema financeiro. Se não de fato, mas idéia de que se algo vai mal na economia, o estado vem em socorro, é uma prática bem francesa. O gigantesco déficit público atual dos EUA provoca inveja nos mais entusiastas defensores do modelo francês, aquele que avança no bolso do contribuinte sem pudor e piedade. Os americanos estão quase nacionalizando Detroit atraves de empréstimos volumosos. Lembram-se da Renault, na década de 80? Tudo em nome do “patriotismo econômico” — a indústria automobilística americana é símbolo do orgulho nacional, há muitos empregos — mais que na Airbus, por exemplo — e votos sob ameaça de serem perdidos. Mais francês? Só baguete com presunto, queijo emmental e mostarda forte de Dijon para chorar de prazer. Poucos trabalhadores americanos irão sustentar um número bem maior de aposentados, no futuro. Adicione um sistema de seguridade social deficitário, tem-se uma espécie França na América do Norte.

O laissez-faire (palavra francesa) americano, o sistema de regulamentação do mercado financeiro, proposto pelos candidatos à presidência dos EUA, deixa o ex-presidente socialista francês François Mitterrand mais próximo de Adam Smith que os dois postulantes a Casa Branca juntos. Em 1982, Mitterrand nacionalizou grandes bancos e companhias de seguro, mas não teve que lidar com bancos refratários para emprestar, tal qual a dor de cabeça de Hank Paulson, Secretário do Tesouro americano. A injeção de 700 bilhões de dólares — dinheiro do contribuinte — para salvar instituições financeiras, tentando restabelecer a confiança do mercado, era inevitável. Certo. Mas não deixa de ser a elite servindo a elite. Nada mais francês.

Na França o privilégio dos agricultores é sagrado. O time do campo recebe o que pede. Não solicitam pouco. E tome subsídios, caso contrário, atiram de tomates a ovos nas ruas, emporcalhando grandes e pequenas cidades francesas; atrapalham o trânsito com seus modernos tratores e colhedeiras; invadem supermercados. Os agricultores americanos não tem motivos para ir tão longe. Eles pertencem a um dos grupos mais bem protegidos dos EUA. Só no ano passado receberam mais de 180 bilhões de dólares de subsídios. Um consumidor americano — a comida nos EUA é mais barata que na França, embora bem pior — paga o dobro do preço de um quilo de açúcar que o consumidor francês. Isso porque o preço mínimo é garantido pelo governo. Neste ritmo os americanos estão se tornando mais reais que o rei. Dito de outro modo: mais francêses que a França.

Por Antonio Ribeiro