¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, março 13, 2010
 
FSP QUER TRANSFORMAR
CHARGISTA EM SANTO



É um absurdo, é claro, que alguém entre na casa de alguém e mate duas pessoas. Mais absurdo ainda quando o assassinato não decorre de uma tentativa de assalto. Ou seja, matou porque queria matar, não porque queria roubar. Falo do chargista irrevente que tinha como personagens um erotômano eternamente drogado e uma secretária ninfomaníaca.

Irrevente mas não muito. Com sua morte, descobrimos que Glauco teria uma face simpática. Foi fundador de uma igreja, o Céu de Maria, que seguia a doutrina do Santo Daime, aquela lavagem que até um suíno pensaria duas vezes antes de ingerir, se é que suínos pensam. De repente, não mais que de repente, fundar uma igreja enobrece um currículo. O Santo Daime – já escrevi - é um culto sem pé nem cabeça, criado por um seringueiro da Amazônia, cujas cerimônias consistem na ingestão da ayahuasca, beberagem feita de um cipó, que produz vômitos e diarréias, as chamadas “peias”. A nova empulhação cultua o Cristo, a Virgem… e a floresta amazônica, ecologia oblige. Pelo jeito, as tais de peias não eram muito convincentes a ponto de por si só arrebanhar acólitos. O Santo Daime então adaptou-se.

A Folha de São Paulo, onde Glauco assinava suas tiras, já trouxe uma reportagem das mais significativas sobre a nova religião – ou coisa que o valha. O Santo Daime assumiu elementos de hinduísmo, umbanda e hare krishna. Deus para todos os gostos. Aqui pertinho de São Paulo, em Nazaré Paulista, a escola espiritual tem dois gurus, um tal de Sri Prem Baba, o mestre da cerimônia, que pelo jeito é tupiniquim com nome indiano para melhor enganar a torcida. Mais o guru Sri Hans Raj Maharaji, que vive na Índia, mas já apita no Santo Daime. Mais o sedizente mestre Raimundo Irineu Serra, seringueiro brasileiro neto de escravos, que morreu em 1971, e teria sido o fundador da doutrina do Santo Daime.

Na zona sul de São Paulo – continua a reportagem – no Centro Espírita Sete Pedreiras, a miscigenação de crenças se repete, com orixás da umbanda, santos católicos e retratos de daimistas posicionados em lugares estratégicos do terreiro. A fusão resulta na umbandaime, que promove a mistura entre a doutrina do daime com a religião afro-brasileira. Para o antropólogo Edward MacRae, da Universidade Federal da Bahia, assim como outras religiões o Santo Daime também tem a propriedade de aglutinar elementos de outras crenças, como umbanda, traços indígenas, cristãos, afro e esotéricos, ocidentais ou orientais. Mais um pouco de criatividade vocabular e teremos o catodaime, o krishnadaime, o budaime. O fenômeno já existe, só falta batizá-lo.

Sincretismo, direis! Nada de novo sob o sol. O cristianismo apoderou-se do Livro dos judeus, temperou-o com elementos da mitologia grega e do paganismo e voilà: temos uma nova religião. Nada se cria, tudo se copia. Mesma vigarice dos tais de Osho, Maharishi Yogi, Sathya Sai Baba, Dalai Lama e outros escroques que servem coquetéis de hinduísmo, budismo e cristianismo para enganar Oriente e Ocidente. Nestes dias de globalização, o Santo Daime quis globalizar-se e abriu um grande leque de opções, para consumo dos pobres de espírito.

Já tem até budista e hare krishna tomando chá de cipó. Para a monja tibetana Ani Sherab, o chá “oferece mais clareza para expressar e reconhecer a verdade. Com o daime, recebo muitas bênçãos e ensinamentos dos budas”. Líderes das comunidade hare krishna desaprovam o daime, mas não negam que alguns membros consumam o chá. Para o professor de português Pandita, Krishna se revela de formas diferentes. “O daime pode ser uma delas.”

Glauco, vítima de uma violência estúpida, assassinado por um seguidor da igreja que fundou, a tal de Céu de Maria, está sendo exibido pela Folha como um humanista, fundador de uma religião. Ora, fundadores de igrejas são também tanto Edir Macedo ou R. R. Soares, que fizeram fortuna como gigolôs do Absoluto. Como também a bispa Sônia e o apóstolo Estevam Hernandes. Que curtiram cadeia nos Estados Unidos por passar dólares escondidos em uma Bíblia. O que não deixa de ser emblemático: o livro sagrado sempre rendeu bons dividendos.

Humorista e fundador de uma igreja. Só o que faltava! A Folha, pelo jeito, está querendo fabricar um santo. Ora, pelo que me consta, isto é atribuição do Vaticano.