¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, março 26, 2010
 
PODE UM PAPA RENUNCIAR?


As normas da Igreja “jamais proibiram a denúncia dos abusos de menores às autoridades judiciárias”, disse ao Osservatore Romano o padre Federico Lombardi, manifestando a posição do Vaticano sobre as acusações de acobertamento dos padres estupradores por Sua Santidade Bento XVI. Não proíbem nem poderiam proibir. Não vivemos na Idade Média, quando a Igreja dispunha da Inquisição para silenciar quem quer que a denunciasse.

Ocorre que não é isto o que se discute. O que se discute é porque as autoridades eclesiásticas, o atual papa inclusive, não denunciaram estes abusos às autoridades civis, já que deles tinham conhecimento. Encurralado, o Vaticano sai pela tangente. Para o jornal da Santa Sé, as acusações do New York Times são “uma evidente e ignóbil tentativa de atingir, a todo custo, Bento XVI e seus mais próximos colaboradores”. Mutatis mutandis, é o que diz o Lula da imprensa brasileira. Ora, não é tentativa. São os fatos que apontam para o Sumo Pontífice.

Escrevia eu ontem que quem acoberta dois, acoberta dez, cem ou quantos forem necessários. Não seria de espantar que surgissem, nos próximos dias ou meses, novas denúncias da cumplicidade criminosa de Sua Santidade. Não foi preciso esperar 24 horas. El País noticia, em sua edição de hoje, o caso de abusos sexuais nos Instituto Provolo, de Verona, onde durante trinta anos vários religiosos abusaram de centenas de meninos, desta vez não apenas surdos, mas surdo-mudos.

Surdo-mudo é mais discreto. Mesmo assim, 67 ex-alunos, que agora têm entre 50 e 70 anos, foram violados, às vezes debaixo do altar e no confessionário. As vítimas apontaram para 25 padres e religiosos, dos quais treze ainda estão vivos e sete continuam no Instituto. A denúncia em verdade não é nova. Surgiu pela primeira vez há um ano na revista L’Espresso.

O que há de novo é que a Congregação para a Doutrina da Fé já tem em mãos o processo instruído pela diocese local, segundo as normas do Direito Canônico. Mas, segundo a associação das vítimas, nenhuma delas foi escutada. O único expediente de expulsão foi aberto contra um padre que confessou à revista os abusos que havia cometido.

Me pergunta um leitor se um papa pode renunciar. Pode. Está previsto no Código de Direito Canônico 332 § 2: "Se acontecer que o Romano Pontífice renuncie ao seu múnus, para a validade se requer que a renúncia seja livremente feita e devidamente manifestada, mas não que seja aceita por alguém".

Acontece que um papa jamais renunciará àquilo pelo qual tanto lutou durante toda sua vida. Vide João Paulo II, que morreu estertorando mas não largou o osso, nem mesmo para tratar de sua saúde. Chegou a pedir para morrer – “deixem-me encontrar com o Pai” – mas não renunciou. Um pontificado não é obra do acaso. É fruto de um longo esforço, de muita política, alianças e lutas internas. Não seria de espantar que fosse precisamente o acobertamento dos abusos sexuais em seus dias de cardinalato um dos fatores que levou Bento à cadeira de Pedro.

O que está faltando é indiciar Ratzinger junto à Justiça laica. Como acobertador de abusos sexuais é cúmplice de um crime. Está incurso nos Códigos Penais de qualquer país ocidental. Mas é claro que tribunal algum vai cometer essa indelicadeza com o vice-Deus.

No entanto, a edição on line do semanário alemão Der Spiegel já se pergunta porque este papa ainda está no cargo.