¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, março 24, 2010
 
SOBRE LEITURAS OBRIGATÓRIAS


De Tamas Ribeiro, recebo:

Olá, Janer, tudo bem?

Escrevo esse e-mail para comentar sobre a reportagem que saiu no caderno Megazine, suplemento direcionado a adolescentes do jornal O Globo (segue o link de uma parte da reportagem (http://tinyurl.com/yzj5myp). O assunto é interessante e já foi alvo do seu blog: leitura nas escolas.

A discussão começou por causa de um artigo de Zuenir Ventura (http://tinyurl.com/yz4lynn), no qual ele critica a escolha dos livros feitas pelas escolas, como, por exemplo, José de Alencar e Aloísio de Azevedo. Em seguida, faz um apelo por uma escolha de autores mais interessantes como Rubem Braga ou Fernando Sabino.

Mas voltando à reportagem, um ponto interessante são os livros adotados pelas principais escolas do Rio de Janeiro no ensino médio: na sua grande maioria literatura brasileira (os ditos “clássicos” e um ou outro contemporâneo) e alguns parcos clássicos universais como Kafka, Cervantes e Sófocles.

Mas o que chama atenção não é essa escolha para lá de discutível das escolas (o que é até desculpável, pois estas são praticamente obrigadas a adotar os livros que caem no vestibular), muito menos as respostas dadas ao principal questionamento da reportagem (“a leitura obrigatória de clássicos é capaz de incentivar um aluno a ler ou vai afastá-lo da literatura?”), mas sim os comentários dos ditos experts da área sobre os livros a serem estudados: todos defendendo o uso da literatura brasileira, seja de clássicos ou de autores contemporâneos, sem quaisquer menções a autores estrangeiros.

Um coordenador de uma famosa escola carioca defende o uso de Vidas Secas, enquanto outros professores defendem apresentações teatrais de obras de Verissimo (?!?!). O pior é quando os escritores nacionais começam a dar palpite. Thalita Rebouças, famosa por escrever livros para adolescentes (ou seja, porcarias), defende o uso de escritores nacionais como Luis Fernando Verissimo, Fernando Sabino e João Ubaldo Ribeiro:

“- Esses três, sim, deveriam ser leitura obrigatória! De histórias curtas, os alunos passariam para os romances. Não dá para empurrar tantos clássicos sem dar aos adolescentes uma contrapartida, um livro com o qual ele se identifique - diz a escritora, que já teve obras adotadas por escolas brasileiras e portuguesas.”

João Paulo Cuenca, colunista medíocre do mesmo suplemento do qual saiu a matéria, chega ao cúmulo de se auto-recomendar para as escolas (na certa de olho em algum polpudo edital do governo):

“O ensino transforma a literatura em matéria, afastando-a da vida. Vira decoreba, como fórmulas de química. Os jovens lêem o que os professores mandam ou essas porcarias que o mercado atira, como Harry Potter e Crepúsculo. As escolas deveriam misturar imortais como João Cabral de Melo Neto e Nelson Rodrigues com escritores brasileiros vivos como Sérgio Sant'Anna, Bernardo Carvalho, Daniel Galera e até mesmo eu.”

Conclusão: literatura para essa turma se resume a esse país atrasado e provinciano. Citando Alexei Bueno, é como se Homero tivesse existido apenas para justificar Mário de Andrade. E na minha modesta opinião, já que é para a leitura ser obrigatória, que pelo menos se leiam livros clássicos interessantes e relevantes, como as tragédias gregas, Kafka, Dostoievski, Shakespeare, Pessoa, entre muitos outros. Assim, se não os alunos não gostarem, pelo menos leram algo que pode realmente acrescentar à sua formação como ser humano.

Mas o que é mais irritante é essa mania de achar que o Brasil é o centro do mundo. O que só prova a mediocridade desses especialistas. Na certa, lêem só por causa da profissão e não sabem realmente o que é um bom livro, preferindo as modas literárias ditadas pelo vestibular, pela mídia, pela academia ou pelo seu seleto círculo de amigos. Enfim, triste é o país (e os alunos) que depende dessa corja corporativista para escolher suas leituras.

Abraços.