¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, março 15, 2010
 
VEJA ASSUME ESTUPIDEZ
DO MUNDO PUBLICITÁRIO



Veja está perdendo credibilidade a passos rápidos. É uma pena, pois foi uma das boas revistas que o Brasil já teve. Comentei há pouco o absurdo de uma pesquisa publicada incluir a posse de videocassetes como índice definidor de classe social. Um leitor atento e que conhece os bois com que lavra me alerta. Que tais critérios seriam critérios da ABEP:

Essa pesquisa tem um único objetivo: medir potencial de consumo. Ela é desenvolvida a fim de criar uma diferenciação para fins de publicidade, para saber o tamanho do mercado de determinados perfis de consumidor e, assim, servir de embasamento para equipes de venda e marketing (bem como agências de publicidade). Utilizá-la para qualquer outra coisa é uma asneira tão grande quanto querer usar a 2ª lei da termodinâmica para explicar a louça não lavada na pia.

O problema, como de praxe, somos nós, jornalistas, e sua costumeira incapacidade de se ater à letra pequena e dar o devido contexto às coisas. Utilizar o critério da ABEP para uma classificação sócio-econômica, como costuma acontecer em matérias de jornal, é coisa de preguiçoso.


Toda razão ao leitor. Veja anda muito preguiçosa. Tanto que acaba de voltar à sua coluna aquele correspondente plagiador de Paris. Plagiador é sinônimo de preguiçoso. Em vez de buscar, pesquisar, o plagiador traduz textos de outros jornalistas. E, pelo jeito, o “correspondente” em Paris nem francês entende. Pois plagia sempre do inglês. Soube que minha denúncia de seus plágios chegou aos editores da revista. Ao que tudo indica, plágio se tornou recurso admissível no jornalismo. O ágil correspondente, em sua coluna de hoje, transcreveu notícias sobre as eleições de ontem na França que todos os jornais já haviam publicado. Não é para isso que se tem um correspondente no Exterior. Veja vai de mal a pior.

Volto à pesquisa. Vou ao site da ABEP e leio que a tal de Associação Brasileira de Estudos Populacionais “é a realização concreta de idéias gestadas com o objetivo de criar no Brasil uma associação que tivesse por finalidade congregar os estudiosos de população para fomentar, ampliar e fortalecer o intercâmbio científico na área de Demografia e o conhecimento da realidade demográfica nacional”.

Estabelecida legalmente em 20 de outubro de 1977, teria por objetivos:
1. promover, através do aproveitamento de todos os meios científicos, tecnológicos e institucionais ao seu alcance, o desenvolvimento dos estudos demográficos;
2. promover o conhecimento da realidade demográfica brasileira e o reconhecimento da ação dos profissionais envolvidos com estudos populacionais;
3. aprofundar os estudos científicos da população, mediante o fomento das investigações e estudos, visando contribuir para o desenvolvimento de novas técnicas metodológicas e normas para a solução de problemas demográficos em todos os seus níveis de ação;
4. incentivar o treinamento de especialistas em estudos populacionais.

Mais ainda: “constituindo-se na única associação do gênero no país, extrapolou seus objetivos, conquistou espaços, transpôs fronteiras. É hoje, o exemplo de entidade científica que deu certo e referência nacional e internacional de seriedade de trabalho dos seus associados”.

Traduzindo: grossa picaretagem envolta em palavreado acadêmico. “Meios científicos, tecnológicos e institucionais, conhecimento da realidade demográfica brasileira, estudos científicos da população, especialistas em estudos populacionais, desenvolvimento de novas técnicas metodológicas, exemplo de entidade científica”. No fundo, uma malta de publicitários que querem vender seus peixes podres. Seriedade coisa nenhuma.

Porque de grossa picaretagem não passa uma instituição que define classes sociais a partir de potencial de consumo. Potencial de consumo que é fictício, afinal todo mundo vive pendurado no crédito e cartões de crédito. Tal pesquisa não pode ser apresentada como definição de classe social. É a publicidade invadindo o território que deveria ser da informação, uma das piores pragas que empesta o jornalismo contemporâneo.

Não deposito confiança nos critérios de tais pesquisas. São itens que não denotam classe social alguma. A pesquisa não considera a posse de uma biblioteca, viagens, conhecimento de línguas, nem mesmo saldo bancário, que me parecem ser mais definidores de classe social que um rádio ou televisor. Ou os tais de videocassetes, que nem mais existem. O teste se resume a itens de consumo, não por acaso os objetos de desejo de brasileiros panacas. Os parâmetros do teste de Veja são os parâmetros da mediocridade nacional.

Tenho amigos com pós-graduação no Brasil ou no Exterior, com bom patrimônio, que não têm carro nem rádio nem televisão. (Sem que isto seja um critério de amizade: salvo raras exceções, meus amigos não têm carro). Bateram pernas pelo planetinha todo e vivem em apartamentos modestos. São pessoas que preferem os prazeres do espírito aos bens materiais. A que classe social pertence alguém que conhece o mundo todo, mas não tem carro nem televisão? Isto o teste de Veja não avalia.

Em meus dias de Porto Alegre, conheci um professor do Júlio de Castilhos. Como todo professor, eram parcos seus ganhos. Nós o chamávamos de Padre, pois havia passado por seminário. Vivia precariamente em uma kitchenette. Economizava todos seus salários para assistir óperas na Europa. Quando estimulado a falar sobre óperas, se iluminava. Conhecia todas as salas mais reputadas do continente e digredia com sumo prazer sobre cada diva, cada regente, cada encenação. A que classe social pertence o Padre, que vivia em um cubículo em Porto Alegre, mas conhecia quase todas as salas de ópera da Europa? Isto o teste de Veja não avalia.

Para publicitários, cultura, conhecimento, finesse, não constituem bens. Prostitutas do mercado, para eles bem é carro, televisão, rádio, videocassete. Objetos perfeitamente dispensáveis por toda pessoa culta. Ocorre que cultura, hoje, não vale nada. Temos um caso emblemático no Brasil, o analfabeto aquele que dirige o país.

Veja vai mal. Um jornal de tal porte devia fazer apelo à inteligência, não à estupidez.