¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, abril 18, 2010
 
ADOLESCENTES SENIS, NOVA
PERVERSÃO DA CLASSE MÉDIA



Estão se tornando cada vez mais recorrentes as reportagens sobre os barbados que não conseguem abandonar o lar paterno. Na edição de hoje, o Estadão nos fala dos "mammoni" na Itália, que já representam mais de 50% dos jovens entre 18 e 34 anos. Um ministro propôs uma mesada estatal para estimulá-los a sair de casa. Ou seja: o marmanjo continua a depender de um pai.

Na Espanha, cerca de metade dos jovens até 34 anos continuam na casa dos pais e muitos afirmam não ter um projeto de vida definido. O fenômeno ganhou o nome de geração Ni-Ni - "ni estudian ni trabajan" - e virou reality show. No Reino Unido, eles atendem por “kidults”. Seriam hoje 25% dos homens e 13% das mulheres entre 25 e 29 anos.

A Veja abordou o tema em abril do ano passado. Falava sobre os chamados filhos cangurus, assim chamados por andar de carona na bolsa abdominal da mãe. O fenômeno estava chegando ao Brasil. No sul da Europa – e particularmente na Itália – existe há várias décadas. Na Itália, li há alguns anos notícia sobre um barbado de mais de 40 anos, que exigiu dos pais uma pensão alimentar, pois ainda não havia encontrado profissão que satisfizesse seus ideais. Se bem me lembro, um juiz compreensivo em relação aos “jovens” concedeu-lhe o benefício.

“O natural é que os jovens – dizia a revista – assim que começam a trabalhar e a ganhar o próprio dinheiro, sonhem em deixar a casa dos pais. Conquistar a independência, ter o seu canto, receber os amigos e namorados na hora que quiser – tudo isso faz parte do rito de passagem para a fase da vida em que a noção de responsabilidade adquire um significado mais amplo. Essa ordem natural das coisas vem sendo desafiada por muitos adultos jovens. Embora já trabalhem, eles preferem permanecer na casa da família – e nem sequer têm planos de morar sozinhos. (...) Segundo o instituto de pesquisas LatinPanel, de São Paulo, há hoje no Brasil 3,3 milhões de famílias das classes média e alta com filhos cangurus. Isso equivale a 7% das famílias do país. A maioria deles se encontra na faixa dos 25 a 30 anos, mas, entre os já quase quarentões, 15% ainda moram com os pais”.

Comentei na época: pelo jeito, o Brasil está virando país rico. Até bem pouco, isto era luxo de europeu. Em condições econômicas adversas, os jovens têm de entrar logo no mercado de trabalho, seja para desonerar os pais, seja para contribuir com a renda familiar.

Para mim, não é fácil entender o fenômeno. Saí de casa aos onze anos. Não que meus pais me tivessem jogado do ninho para aprender a voar. Nada disso. Vivia no campo. Feito o primário, estavam esgotadas minhas possibilidades de educação. Meus pais não podiam, pelo menos naquele momento, mudar-se para o “povoado”. Só me restava uma solução, ir sozinho. Vivi em quartos alugados e desde novinho lavava cuecas e cerzia meias – naqueles dias a gente aproveitava um carpim até seu último alento – , pregava botões e passava camisas. Mais importante que tudo, aprendi a gerir minha vida. Tinha de administrar minha escassa mesada, para que agüentasse até o fim do mês. Essa era a parte mais dura do aprendizado.

Nada melhor que isto para se chegar à adultez. Meus pais foram mais tarde para Dom Pedrito. Mas aí eu já era autônomo. Aos dezessete, abandonei de novo o ninho e fui continuar meus estudos em Santa Maria. Vivi sozinho até os trinta, quando passei a morar com minha Baixinha, em Paris. Assim, quando ouço falar de gente que até os trinta ou quarenta ainda não saiu de casa, só posso deplorar suas vidas.

Perversões da classe média. Quem é pobre não pode dar-se a estes luxos. Que sabe da vida quem nunca trouxe seu pão para casa, nem dispõe de um espaço privado para receber amigos ou amadas? Adolescente, minha primeira prioridade era ter quatro paredes, só minhas, para receber namoradas. Foi o que me fez viver só por mais de década. Quando casei - para levar a Baixinha comigo a Paris – viver com alguém sob o mesmo teto era para mim experiência estranha. Mas Paris compensava sobejamente a nova condição. Depois, acostumei.

Considero criminosa a atitude de pais que abrigam seus filhos até trinta ou quarenta anos. Não há personalidade que se desenvolva em quem vive eternamente debaixo da asa. São pessoas que não provêem seu sustento, que desconhecem a dureza da vida na selva, que ainda não sabem o que é viver. Como vai gerir uma empresa quem nunca soube gerir a própria vida? E se você não aprendeu como viver até os quarenta, daí pra frente este aprendizado não será fácil.

A condição de pobre não deixa de ter algumas vantagens. Ensina o quanto a vida é dura. Nascer em berço de ouro é muito bom. Mas nem sempre. Há pássaros que jogam os filhotes do ninho, para que aprendam a voar. Temos muito a aprender com estes pássaros.

O que está acontecendo hoje é um prolongamento artificial da adolescência, nas classes mais abastadas, até os 25, 30 e mais anos. Os novos hábitos tornam obsoletos os antigos conceitos dos dicionários. Com a crise, nos países desenvolvidos, muitos jovens estão voltando à casa paterna. Mas só volta quem já saiu e soube enfrentar a vida sem muletas. É o que nos Estados Unidos se chama de filhos bumerangue. Vão morar nos campi durante o período universitário. Findo o curso, se o mar não está para peixe, voltam para casa.

Estamos assistindo a um fenômeno novo, os adolescentes senis.