¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, abril 30, 2010
 
ESPANHA RESSUSCITA BABEL


Lemos no Gênesis que toda a terra tinha uma só língua e um só idioma. Deslocando-se os homens para o oriente, acharam um vale na terra de Sinar, onde construíram uma cidade com uma torre cujo cume tocava no céu.

“Então desceu o Senhor para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam; e disse: Eis que o povo é um e todos têm uma só língua; e isto é o que começam a fazer; agora não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer. Eia, desçamos, e confundamos ali a sua linguagem, para que não entenda um a língua do outro. Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade. Por isso se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra, e dali o Senhor os espalhou sobre a face de toda a terra”.

Verdade que, subterraneamente, corre uma outra versão. Que os homens falavam várias línguas e então o Senhor fez com que falassem uma só. Aí os homens se desentenderam. É uma hipótese. Em meus dias de universidade, tive uma namorada que, em função de uma traqueostomia, mal conseguia falar. Só emitia um fiozinho de voz difícil de ser ouvido. Obturada a traqueostomia, readquiriu o dom da palavra. Surgiu então em nosso convívio a discórdia. Foi o fim de um amor que prometia ser eterno.

Trocando os queijos de bolso, é o que está acontecendo na Espanha. Leio no El Mundo que o Partido Socialista no poder votou com os nacionalistas das comunidades autônomas para que todas as línguas oficiais – o castelhano, o catalão, o basco, o galego e o valenciano – sejam faladas na segunda câmara do Parlamento. O serviço de interpretação simultânea a ser posto em prática seria semelhante àquele das Nações Unidas ou do Parlamento europeu, ironiza o jornal.

Há três décadas, eu aplaudiria a idéia com entusiasmo. O que só demonstra que longa é a jornada até a sensatez. Na época, eu considerava que cada língua que morre empobrece a humanidade. Hoje, penso que língua só é língua se tem atrás de si um exército, uma marinha e uma força aérea. Se não os tiver, é dialeto. Os nacionalismos estão minando a Espanha. A começar pelo basco. Corre à boca pequena que, quando o bom Deus quis castigar o demônio, condenou-o a estudar basco sete anos.

Continuando com o catalão. Se o basco sempre foi a língua corrente nas vascongadas, o catalão era apenas uma língua a mais na Catalunha. Todo catalão falava espanhol. Com a morte de Franco, ocorreu na região um surto de afonsocelsismo – fenômeno que não é só brasileiro, mas universal – e a Generalitat decidiu que o catalão passava a ser a língua oficial da comunidade. Se entre espanhol e basco há uma distância intransponível, entre espanhol e catalão a distância é mais curta, mas mesmo assim difícil de ser transporta. Pessoalmente, se leio catalão, consigo entender. Quando eles falam, já não entendo mais nada.

A oficialização do catalão é uma exigência mais ou menos ditatorial da Generalitat, o sistema institucional em que se organiza politicamente o autogoverno da Catalunha. Se você for a Barcelona, verá que todo mundo falava espanhol. Já o catalão, é imposto no ensino e nas comunicações oficiais com o Estado. O que faz a fortuna dos tradutores. Um documento da Generalitat enviado a Madri tem de ser traduzido ao espanhol. Quando Madri responde, nova tradução ao catalão. No ensino, o espanhol tem as mesmas horas consagradas ao inglês. A escola está formando, na marra, novas gerações que já não conseguem falar com seus pais.

Dividir para reinar, esta parece ser a divisa dos socialistas espanhóis. Verdade que a Suíça tem quatro idiomas oficiais. Mas um suíço tem, desde o berço, uma educação pelo menos trilingüe. Todo suíço, em princípio, fala alemão, francês e italiano. Quanto ao romanche, é falado por cerca de 35 mil pessoas como língua materna, e por outras 40 mil como segunda língua. Considerada em risco de extinção, é falada por menos de 1% dos 7,4 milhões de habitantes da Suíça e superada por línguas não-oficiais como o servo-croata e o português.

Durante séculos, a Espanha se entendeu muito bem com o espanhol. Tornar oficiais mais quatro línguas – das quais duas pelo menos, o catalão e o basco, já gozam desse status – significa tornar mais complicada a vida de todo cidadão. O Partido Popular (PP) qualificou a medida como totalmente idiota e ridícula no cenário internacional, com “senadores que portarão aparelhos de tradução para se entenderem em uma câmara onde todo mundo fala a mesma língua”.

Socialismo é isso mesmo. Para que facilitar quando se pode complicar?