¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, abril 28, 2010
 
A GRANDE MISTIFICAÇÃO
DO SÉCULO PASSADO (II)



Tenho vários livros de Onfray em minha biblioteca, entre eles o Traité d'athéologie, edição de 2005, onde o autor faz sua apologia do ateísmo. Interessante, mas nada de novo. Mais importante é o menos conhecido é o Histoire de l’atheísme, de Georges Minois, publicado em 1998. Em suma, nesta sua nova obra, Le crépuscule d’une idole, Onfray ataca o ídolo em que teria se convertido Freud e a vigarice que constitui a psicanálise. Era o que eu dizia nos anos 70. Pena que era gaúcho e não galo.

Não tenho ainda o livro ainda em mãos. Vou então me ater a um resumo publicado pelo Estadão. Segundo o artigo, Onfray acusa o pai da psicanálise de ser mentiroso, fracassado e defensor de regimes totalitários. A psicanálise é comparável a uma religião e sua capacidade de curar as pessoas é semelhante a da homeopatia. Freud teria tranformado seus próprios "instintos e necessidades fisiológicas" em uma doutrina com pretensão de ser universal. Mas, para Onfray, a psicanálise seria "uma disciplina verdadeira e justa no que diz respeito a Freud e ninguém mais". Freud fracassou na cura de pacientes que ele mesmo atendeu, mas ocultou ou alterou suas histórias clínicas para dar a impressão de que o tratamento havia sido bem sucedido. Ele afirma, por exemplo, que Sergei Konstantinovitch, indicado por Freud como "o homem dos lobos", continuou fazendo psicanálise mais de meio século depois de ter sido supostamente curado por Freud. E diz que Bertha Pappenheim, conhecida como "Anna O." e apresentada por Freud como um caso em que o tratamento contra histeria e alucinações funcionou, continuou tendo recaídas.

"A psicanálise cura tanto quanto a homeopatia, o magnetismo, a radiestesia, a massagem do arco do pé ou o exorcismo feito por um sacerdote, quanto nenhuma oração diante da Gruta de Lourdes”, afirmou Onfray, em debate promovido pelo Nouvel Observateur. "Sabemos que o efeito do placebo constitui 30% da cura de um medicamento", acrescentou. "Por que a psicanálise escaparia desta lógica?"

Quem lê isto neste ano da graça de 2010, pode até pensar que Onfray descobriu a América. Não descobriu. Estas denúncias são antigas, datam de mais de 40 anos atrás. Em 1965, os cientistas americanos Edward e Cathey Pinckney publicaram The Fallacy of Freud and Psychoanalysis, traduzida em 1970 no Brasil como Psicanálise, a Mistificação do Século, pela Edigraf, que reduzia Freud à condição de vigarista. No Brasil, Silva Mello publicou, em 1967, um gordo ensaio de 536 páginas, intitulado Ilusões da Psicanálise, publicado pela Civilização Brasileira. Estes livros repercutiam denúncias anteriores da grande vigarice do século XX. Voltarei ao livro dos Pinckney. Antes disto, mais um pouco da síntese feita pelo Estadão sobre o ensaio de Onfray.

“Além de questionar o método de Freud, Onfray criticou sua personalidade e o apresenta como alguém que foi capaz de cobrar o equivalente ao que seriam hoje US$ 600 por uma sessão, e incapaz de tratar dos pobres. O filósofo francês diz que acredita que Freud tinha preconceito contra homossexuais e com um interesse especial em temas como abuso sexual, complexo de Édipo e incesto, e que dormia com a cunhada.

Em termos ideológicos, Onfray defende a tese de que Freud flertou com o fascismo e diz que em 1933, ele escreveu uma dedicatória elogiosa para Benito Mussolini: "Com as respeitosas saudações de um veterano que reconhece na pessoa do dirigente um herói da cultura." Ele afirma que o criador da psicanálise procurou se alinhar com o chanceler Engelbert Dollfuss, que instaurou o "austrofascismo" no país, e também às exigências do regime nazista”.

Claro que tais acusações gerariam ondas de ódio da parte dos escroques que vivem da psicanálise. A historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco afirmou em artigo no Nouvel Observateur que o novo texto de Onfray está cheio de erros e rumores. Roudinesco acusou Onfray de ter tirado as coisas do contexto e afirmou que Freud de maneira alguma apoiou o fascismo e nunca fez apologia dos regimes autoritários. "Quando sabemos que oito milhões de pessoas na França tratam-se com terapias derivadas da psicanálise, está claro que no livro e nas palavras do autor há uma vontade de causar danos", disse.

Quer dizer: se oito milhões de franceses garantem o bem-estar dos psicanalistas franceses, Freud deve ter razão. É um argumento curioso. Soa mais ou menos como: se um bilhão de pessoas acredita no Cristo, vai ver que deus existe. Se milhões de pessoas acreditaram no comunismo, vai ver que Stalin era um santo.

Kristeva, outra vendedora de vento que vive da boa-fé dos simples, defendeu a psicanálise como um mecanismo capaz de tratar de problemas como a histeria, o complexo de Édipo ou comportamento anoréxico ou bulímico, entre outros. "Onfray nos insulta quando diz que a psicanálise não cura", escreveu o psiquiatra e psicanalista Serge Hefez. “O que fazemos todos nós em nossos consultórios, centros de terapia familiar, conjugal, nossos hospitais (...) senão ajudar o sujeito a se converter em ator de sua própria história?"

Por este converter o sujeito em ator de sua própria história, os psicanalistas cobram uma fortuna. E não há prazo fixo para o sujeito se converter em ator. Desde que tenha como pagar, passa toda sua vida se convertendo em sujeito de sua própria história. A reação contra o livro de Onfray mostra o desagrado de uma guilda que vê ameaçados seus gordos lucros com a indigência mental da classe média. Porque quem faz psicanálise é a classe média. Pobre não pode pagar. E rico não tem maiores angústias. Continuo amanhã.