¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, abril 26, 2010
 
QUANDO CULINÁRIA É
SINÔNIMO DE VIGARICE



Quando vim pela primeira vez a São Paulo, nos anos 70, jornal algum falava de chefs. Falava-se no máximo em chefe de polícia. Tampouco havia suplementos de culinária na imprensa. Hoje, os chefs viraram personagens da crônica social e culinária tornou-se item de alto consumo. Há quem considere São Paulo uma metrópole cosmopolita. De fato, deve ser a capital brasileira em que mais tropeçamos com cosmopolitismo. Mas há também muito provincianismo. Para não dizer breguice.

Moro a uma quadra do Pátio Higienópolis. Ao lado do shopping, há um restaurante caríssimo e metido a besta, onde cometi a besteira de jantar lá certa noite. Queria saber como era. Devia ter desconfiado. É o único restaurante que conheço no mundo que pôs um cavalete na calçada anunciando o nome do chef. Metrópole não significa ausência de caipiras. O cavalete me lembrou uma lanchonete vagabunda cá do bairro que anunciava

FEIJOADA = 5 REAL
ENJOY IT


Chefs se tornaram distintivos de status. Você não vai encontrar jornal nenhum no mundo que dê tantas páginas a estes senhores como os jornais de São Paulo. Restaurante já não tem mais cozinheiro. Só tem chef. Mas você jamais encontrará chef alemão, sueco, holandês, grego ou português. Chef tem de ser francês. Ou espanhol. À la limite, italiano. Boliviano ou paraguaio, ni pensar. Há, é claro, os chefs tupiniquins. Na maioria, foram auxiliares de cozinha em algum restaurante em Paris ou Roma. Voltaram chefs.

Conheci uma destas sumidades. Era francês, mas dos DOM-TOMs. Mais precisamente, da Martinica. Foi – ou ainda é, não sei – chef de um dos mais prestigiosos hotéis da City, como pretendem alguns paulistanos. Falava um francês que exigia grande esforço para ser entendido. Certa vez, fui a uma festa onde ele queimava as panelas. Ofereceu um couscous aos comensais. Couscous árabe, não confundir com o baiano. Abominável, nada a ver com o legítimo. Perguntei-lhe onde havia aprendido a cozinhar. Foi sincero: na Legião Estrangeira. Ou seja, cozinheiro da escória militar da França na África, em São Paulo vira vedete.

Leitor me envia uma promoção gastronômica do restaurante Baby Beef Rubaiyat, que recebe os chefs espanhóis Xavier Pellicer e Carlos Valenti para um jantar exclusivo nesta quarta-feira, a partir das 21h. A quatro mãos, eles executarão um menu composto por tapas, três pratos principais e sobremesa. O jantar terá início com as tapas criadas por Carlos Valenti, chef do Baby Beef Rubaiyat de Madri e vencedor de um tal de Concurso Internacional de Tapas, de 2008. Preço da brincadeira, 280 reais por cabeça.

Aqui vão duas safadezas. Quando você ouve falar do Baby Beef Rubaiyat de Madri, se não conhece Madri pode até imaginar que se trata de um restaurante espanhol. Não é. É a filial brasileira do brasileiríssimo Baby Beef Rubaiyat de São Paulo. Para onde acorrem brasileiros deslumbrados, achando que estão freqüentando um restaurante espanhol. O Rubaiyat transforma em espanhóis os restauradores brasileiros para melhor vendê-los no Brasil.

Por outro lado, vai ver que foi o Rubaiyat tupiniquim que organizou o tal concurso internacional de tapas. Porque concurso internacional de tapas não faz sentido. Tapas são espanholas. Pelo que sei, a palavra deriva da época pós Guerra Civil, quando era proibido beber sem algo para comer. Ao cliente, era oferecido algo para tapar o copo. Que quiere Usted como tapas?

Culinária está virando vigarice.

Prato perfeito para caiçaras. Essa gentinha endinheirada e medíocre, que adora pagar caro porque acha que pagar caro significa status. Ano passado, escrevi sobre restaurantes soberbos nos quais comi em Madri. No solene Comedor d'El Rey, sala do Café Oriente onde Juan Carlos recebe de vez em quando os estadistas que o visitam, em uma cave do século XVI, com talheres e baixelas de prata e copos de cristal, almocei com a Primeira-Namorada. Dois pratos, um bom Penedès, mais dois Carlos III para finalizar os trabalhos. 84,20 euros. 42 por cabeça. 105 reais.

No Sobrino de Botín, tido como o mais antigo restaurante do mundo (fundado em 1725), comemos um cochinillo de uma tenrura extraordinária e um cordero lechal, mais um bom Rioja e um chinchón para rematar. Custo: 75,75 euros. No Salamanca, na Barceloneta, o mais reputado restaurante de frutos do mar de Barcelona, comemos os dois, com vinho mais aperitivos, por 72,26 euros. No Caracoles, outra casa centenária de Barcelona, comemos e bebemos a gosto por 61 euros. No belíssimo Méson de Cándido, em Segovia (dois séculos), junto aos arcos do aqueduto, pelo mesmo passadio, pagamos 89,76 euros. Este foi o almoço mais caro que paguei na Espanha. 226 reais para dois. 113 por cabeça.

É preciso ser muito brega para pagar 280 reais por cabeça, por um jantar em São Paulo. Se você pensar em um aperitivo e um vinho, por baixo a conta sobe para 400 reais. Mais a gorgeta, 440. Multiplique por dois, dá 880. 376 euros. Por esse preço, você faz três ou quatro excelentes refeições, a dois, em restaurantes centenários em Madri. Sem sequer saber nomes de chefs. Isso de chef é breguice tupiniquim.

Sem falar que tapas é cozinha de balcão. Nada que mereça um especialista. São aperitivos, para se ingerir enquanto limpamos a serpentina. Piscolabis, como dizem os espanhóis. Restaurante que se preze não serve tapas, vai direto ao que interessa. Os madrilenhos certamente achariam muito bizarro tapas assinadas por um chef.

Aqui, os caipiras as engolem a preço forte.