¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, abril 19, 2010
 
QUANDO VOCÊ VÊ,
A VIDA JÁ PASSOU



Estou recebendo não poucos mails sobre o fenômeno dos adolescentes senis. Entre eles, este de Filipe Liepkan Maranhão:

Olá Janer,

assumo pela pertinência de seu artigo, mas observo ainda a perpetuação da adolescência em diversas facetas que não submetidas à questão profissional. Ora, promotor de Justiça aos 40 anos vivendo com os pais? Há. Que não se diga de juízes que andam de BMW e dormem ao lado do manto paternal, sugando-o como carrapato e levando suas namoradas à mesma residência, que deveria ser aconchego ao idoso já aposentado. De certo que tais indivíduos, que têm se alastrado no meio jurídico, são ridicularizados dentre os falatórios diários, porém exercem o labor da intelectualidade jurisprudencial corroborando um meio de vida que destoa do aceitável.

Ainda, a retórica do apoio da prole aos pais nas questões financeiras, tal como na saúde, tem se mostrado uma desculpeba das mais intrigantes, vez que a princípio apresenta total pertinência social. Passa-se de caridoso e pietista aquele que já concretizou na mente que sair de casa é impensável, senão "anti-familiar"; e o melhor, assume essa circunstância como virtude e exige a respeitabilidade correspondente ao fato.

Creio que estamos na era da adolescência dos profissionais resolvidos, já abastados em suas perspectivas de trabalho mas ainda carentes de comer do pão que faz a mãe. É deplorável, mas já se tornou um "modus vivendi" que, amanhã, trará as conseqüências inevitáveis da infantilização em massa do indivíduo brasileiro.


Desconhecia que o fenômeno tivesse se alastrado no meio jurídico, Felipe. Deve ser extraordinária a capacidade de decisão e julgamento de um juiz que ainda não conseguiu viver longe do útero familiar. Não consigo entender isso. Gostei de ver como se resolve este assunto na Suécia. Ao entrar na universidade, o jovem já recebe subsídios para moradia e vai morar em residências estudantis. E depois não volta mais para casa. Dado o desejo de privacidade dos suecos, se o filho quer visitar os pais é bom que telefone antes.

Não consigo ver como adulto um quarentão que ainda não conseguiu se libertar dos pais. Há três anos, a Folha Online noticiava uma ocorrência espantosa na Itália, a de uma mãe que cortou a mesada do filho de 61 anos e chamou a polícia para retirá-lo de sua casa. Aconteceu na cidade de Caltagirone, comuna italiana da região da Sicília, província de Catania.

Se bem que não foi exatamente por isso que a “mamma” chamou a polícia. Chamou porque o filhinho chegava tarde em casa e não dizia onde ia à noite. A polícia acabou convencendo a mãe e menino a fazer as pazes. "A história pode parecer irônica, mas isto não impediu que tratássemos o caso com todo respeito, ainda mais diante do desespero dessa mãe. Acreditamos que agora a situação tenha voltado ao normal e que a briga terminou", afirmou o delegado que tratou do caso. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.

O filho, por sua vez, teria se lamentado da mesada, que definiu como sendo muito baixa para um homem da sua idade. De fato, uma mesada curta aos sessenta anos é um desastre. Além disso, reclamou da comida, acusando a mãe de cozinhar muito mal. O caso tornou-se noticia nacional na Itália, onde foi apresentado como exemplo extremo de um clichê. O país é considerado como terra dos "mammoni", isto é, jovens que moram na casa dos pais até muito além da maioridade, usufruindo das mordomias que a "mamma" italiana oferece: comida, roupa lavada e passada, casa limpa.

Ora, para que tais fenômenos ocorram, é necessária a cumplicidade paterna. Ou materna. O caso é caricatural, é verdade. Mas dá o que pensar. Que tipo de ser humano é este que, aos 61 anos, ainda vive de mesadas da mãe? É pessoa incapaz para a vida. Pior ainda, definitivamente incapaz. Não se recomeça uma vida aos sessenta anos.

Dizia ainda a notícia que, de acordo com as pesquisas fornecidas pelo Istat - Instituto Nacional de Estatísticas - 60% dos jovens italianos entre 18 e 34 anos, ou sete milhões de pessoas, ainda viviam com os pais. Mais da metade de uma geração! Em 1993 o percentual era de 55%. Este fenômeno se deveria à dificuldade que os jovens encontravam para arrumar trabalho e se registrava principalmente no sul da Itália, onde o índice de desemprego é maior.

Sete milhões de barbados vivendo sob a asa dos pais é muito chupim para um país só. Na ocasião, uma psicóloga, Silvia Vegetti Finzi, declarou que a história dos "mammoni" italianos é somente um clichê. "Os jovens não podem ir embora de casa porque o salário inicial não é suficiente nem para pagar um aluguel, portanto, concordando com os pais, eles decidem continuar a morar com a família para investir em sua preparação profissional e conseguir um trabalho mais qualificado e um salário maior".

Ora, convenhamos que 60% da juventude de um país é bem mais que um clichê. Um salário inicial sempre é escasso. Salvo nascidos em berço de ouro, ninguém recebe grandes salários no começo da vida profissional. Em meus dias, nos juntávamos a outros para poder morar e tratávamos de um segundo emprego para enfrentar a situação. O morar só, só vem com o tempo.

Durante a universidade, tive de ganhar meu pão, já que meus pais não tinham como sustentar-me. Trabalhei como vendedor de livros. É o emprego ideal para quem está prestes a morrer de fome. Não se faz exigência nenhuma ao candidato. O que se pede é que se vire e venda livros. O que move o vendedor de livros é a necessidade de comer. A editora para a qual trabalhei vendia enciclopédias medíocres. Bom de lábia, vendi não poucas. Até hoje sinto lástima de quem as comprou. Muitos as compraram creio que por piedade. Abordava os clientes potenciais ainda pintado de bicho. Alguns compravam – acho – porque se comoviam com meus esforços para estudar.

Concluída a universidade, senti que um vácuo se abria à minha frente. Fiz dois cursos errados, Direito e Filosofia. Entrei em pânico. Não conseguia me ver trabalhando nessas áreas. Escondi meus diplomas e tratei de ganhar meu pão. Trabalhei como pesquisador de campo para a Sidney Ross. Isto é, tinha de ir a farmácias e supermercados e contar sabonetes e pastas de dentes para ver a saída dos produtos da empresa. Tinha dois cursos superiores em meu currículo e fazia trabalho de peão. Para prover meu sustento. Até que se abriu uma brecha no jornalismo. Por salário menor do que eu ganhava na Sidney Ross. Não hesitei um segundo. Hoje, cá estou.

A geração dos filhos cangurus, ao que tudo indica, quer começar a vida com salários de altos executivos. Se assim não for, melhor ficar em casa, sustentados pelos pais. Os anos vão passando e, quando você decide olhar para trás... a vida já passou.