¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, abril 15, 2010
 
TRISTES NOVAS
DA CATALUNHA



Barcelona é uma das capitais européias que mais me fascina. Sem falar que tenho pela cidade um afeto especial. Foi a primeira que conheci na Europa e isto é algo que marca. Em verdade, antes de Barcelona estivera em Lisboa, mas minha estada entre os lusos não passou de um passeio de seis horas. Eu viajava no Eugenio C, desarmado em 1980, e vestia um casaco de pele de porco dos mais vistosos. E tinha 24 anos, o que faz alguma diferença entre ontem e hoje. Ao descer do barco, uma catalã linda como ela só me jogou um piropo:

- Que guapo!

No entrevero da aduana e liberação de bagagens perdi a chavala. Ora, não é todos os dias que alguém chega em um país e é assim saudado por uma de suas mais belas cidadãs. Depois da beleza da guapa, o charme da cidade: o colorido das Ramblas, as ruelas medievais do barrio Barrio Gotico, Montjuich, Gaudi, flamenco, sardana, cochinillos y lechales. Para quem saia de Porto Alegre, era todo um universo a desbravar. Naquele dia, prometi a mim mesmo: ainda vou viver aqui. Não consegui. Mas vivi em Madri, cujos encantos nada ficam a dever à capital catalã.

Isso foi em 71. O Barrio Gotico não tinha a sofisticação que hoje ostenta. O casario estava meio que caindo aos pedaços e o Carrer Avignyó era infestado por prostitutas. (As personagens retratadas por Picasso em Demoiselles d’Avignon são em verdade as moças da Avignyó). Me consta que as autoridades deixaram que o bairro se deteriorasse definitivamente, para depois reformar seus prédios. Hoje seus quarteirões estão estalando de novos, mas foram preservadas as formas da antiga arquitetura. Não há mais profissionais no Carrer Avignyó. As prostitutas migraram para a região da Boqueria. Ano passado, El País trazia fotos das moças, exercendo o ofício em plena luz do dia, escoradas nas pilastras que ficam atrás do mercado.

O Barrio Gotico era decadente, assim como também a Barceloneta, antigo bairro de pescadores que se tornou esplendorosa com as reformas para as Olímpiadas de 1992. Se nos anos 70 Barcelona tinha seu charme, tinha também um certo ar de deterioração. Mas você podia flanar tranqüilamente por suas madrugadas, sem medo algum de assalto ou violência. Hoje Barcelona é uma metrópole moderna e sofisticada. Mas algo mudou em suas ruas.

Leio hoje no UOL que os roubos na área das Ramblas e Bairro Gótico são tão comuns que já existem duas comunidades no site de relacionamentos Facebook com alusões diretas ao problema: I know someone who got robbed in Barcelona e I’ve been robbed in Barcelona. A cidade tem hoje uma média de 120 mil queixas policiais por ano e média de um roubo a cada cinco minutos, de acordo com estatísticas do Ministério do Interior.

Isso sem contar um roubo em anos passados (uma máquina fotográfica) e duas tentativas na última viagem - uma comigo e outra com minha filha – que não registramos na polícia. Mais os milhares de casos que alguém que está viajando não vai registrar. Primeiro, porque não terá de volta o que lhe foi roubado. Segundo, porque ninguém viaja para tomar chá de banco em delegacia. O registro só se torna necessário quando há roubo de passaporte ou cartão de crédito. Dica para quem viaja: não ande com passaporte nas ruas. Quanto a cartões, leve-os em bolsos internos das calças.

Não há violência. Alguém se aproxima de você tentando abraçá-lo. Enquanto isso, um grupo o cerca e revista seus bolsos. No Carrer de Ferrán, onde sempre me hospedo, em pleno Barrio Gotico, a las cinco en punto de la tarde, fui abordado por um desses marginais, inclusive com certa agressividade. Só consegui desembaraçar-me do vagabundo com alguns empurrões. Não me pareceu que algum transeunte se espantasse com aquela tentativa de assalto. O ladrão saiu caminhando tranqüilamente pela rua, em busca de outra vítima.

Segundo o Código Civil da Espanha – diz o UOL – qualquer roubo que não supere os 400 euros (aproximadamente R$ 1 mil) está livre de punição judicial. O ladrão é levado para a delegacia, fichado e liberado em seguida. A polícia diz que pouco pode fazer. Com legislação assim permissiva, não pode fazer nada mesmo. Ora, 400 euros por dia – ou a cada assalto – não é quantia de se jogar fora. Com o singelo esforço de um assalto por dia, tem-se no mês a simpática quantia de 12 mil euros. Isto é salário de altos executivos. Que pode ser ganho, sem risco algum, por qualquer desqualificado que decida optar por este meio de vida.

Um assalto a cada cinco minutos, em uma capital turística, é coisa que afasta muito turista. Doze mil queixas por ano significa dez mil queixas por mês. Mais de 330 por dia. A Barcelona que um dia amei – e ainda amo – está se tornando cada vez mais hostil para com seus amantes. O mesmo está acontecendo nas demais capitais européias. Quem são os ladrões? É claro que um nacional não vai se arriscar a interpelações policiais e mesmo eventualmente a prisão pelos trocados que um turista carrega no bolso.

Já sofri outros roubos e tentativas de roubo em outras viagens. Quem eram eles? Em Estocolmo, foi um paquistanês. Em Bolonha, ciganas. Em Madri, los moros – como dizem os madrilenhos. Desta última vez, não consegui identificar a origem do ladrão. Pelo modo de falar, não me pareceu espanhol.

O velho continente está se entregando de mãos atadas à violência dos imigrantes. Volto a meu bordão: se você ainda não conhece a Europa, viaje logo. Antes que a Europa acabe.