¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, abril 27, 2010
 
VICE PACÓVIO CAI NO
CONTO DO SEQÜESTRO



Leio no portal Terra que o vice-presidente da República, José Alencar, foi vítima, no domingo passado, em seu apartamento no Rio, do golpe do falso seqüestro. Sem empregados em casa, em Ipanema, ele mesmo atendeu ao toque do telefone, aceitando a chamada a cobrar e ouvindo, do outro lado da linha, o choro forte de uma jovem, que ele julgou fosse uma de suas filhas. Ela apelava, desesperada: "Meu pai, meu pai, me pegaram, meu pai, estou amarrada, paga logo eles para eles me soltarem, meu pai!". Ato contínuo, um suposto sequestrador assumiu o telefone, anunciando que a moça estava em seu poder e exigindo R$ 50 mil de resgate.

Muito tenso, Alencar tentou argumentar, alegando não ter, àquela hora, tal soma. "Não sou do Rio, não tenho tudo isso aqui!". O criminoso, irredutível, também pediu jóias. Alencar explicou que sua mulher, muito religiosa, fizera promessa e não as tinha. Depois de negociar sob pressão emocional, ouvindo o choro da "filha" ao fundo, Alencar conseguiu baixar para R$ 20 mil e, em seguida, sem desligar, acionou o empresário Walter Moraes: "Preciso pegar R$ 20 mil com urgência no Banco do Brasil". O amigo se prontificou, ouvindo: "Então manda providenciar para mim, é uma emergência, é uma emergência".

E dizer que um pacóvio desses é vice-presidente da República. Sequer ocorreu a um homem que, por questões de ofício, é ou deveria ser responsável pela segurança do país, telefonar à filha para saber se estava seqüestrada ou não. Nas mãos de gente assim repousa a segurança da nação.

Só no ano passado, devo ter recebido pelo menos dez telefonemas desses. Um oficial da PM me anuncia com voz grave:

- Seu filho acaba de sofrer um acidente de trânsito.
- Ah é? Está sofrendo muito?
- A situação é grave. Corre risco de morrer.
- Que pena, tenente. Preferia que já tivesse morrido.

Ou então um marmanjo me chama com voz angustiada:

- Paiê, me ajuda paiê!

Sempre telefonemas a pagar. Pai amoroso, não hesito um segundo:

- Filhão, que aconteceu contigo?
- Fui seqüestrado, paiê!
- Estão te machucando, meu filho?
- Tão, paiê. Querem me cortar um dedo.
- Que horror, meu filho. Tá falando em celular?
- Tô, paiê!
- Então dobra e enfia, fedapê!

Marco a hora do telefonema e depois confiro na conta. Tenho todos os números anotados. As chamadas invariavelmente vêm de Recife, Rio e São Paulo. Nunca fiz comunicação nenhuma à polícia. São celulares roubados, de nada adiantaria. Que entram nas prisões com a cumplicidade da própria polícia. Este ano, curiosamente, não recebi até agora telefonema algum desses. Mas não perco por esperar. Virou rotina.

Ouço histórias de senhoras velhinhas que caíram nesse golpe. São vovós ingênuas, já meio caducas, que acreditam tanto na novela das oito como em seqüestros fictícios. Me parece existir um certo narcisismo às avessas nisto, tipo "olha aí, eu também sou vítima da bandidagem nacional". O difícil é admitir que um vice-presidente da República, empresário bem sucedido e homem cercado de todo um aparelho de proteção, tenha caído nesse conto.

Vai mal a segurança nacional. O episódio é prova inconteste da torre de marfim em que vivem os poderosos de Brasília. Isolados do mundo dos demais mortais, sequer sabem como reagir a uma tentativa de extorsão que, de tão banal, se tornou ridícula.

Mais um pouco e Alencar cai no conto da herança da viúva nigeriana.