¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, maio 11, 2010
 
O DIA DA CONVOCAÇÃO


Estou pensando em apresentar Buenos Aires a uma amiga muito querida. Quando fui ver, descobri que meu último passaporte já estava vencido. O homem - dizia Stephan Zweig - é corpo, alma e passaporte. Dediquei minha manhã tratando deste terceiro elemento de meu ser. Comecei indo a um posto da Polícia Federal, relativamente perto de onde moro. Mal me acomodei no táxi, o taxista me avisou:

- Hoje é o dia da Convocação.

Só o que faltava ser mais um feriado religioso, pensei. Desconhecia a nova data, mas com tanta assunção, ascensão, anunciação, ressurreição, não me espantaria que o Vaticano impusesse à maior nação católica do mundo uma nova celebração. Convocação de quem? De Cristo ante o Sinédrio? Ou de Cristo ante Pilatos? Sabe-se lá! Mas suponho que as repartições públicas estão funcionando – aventei ao motorista.

Me tranqüilizou. Tudo permanecia aberto. Vai daí que eu precisava de um passaporte com urgência, e passaportes com urgência só na sede da Polícia Federal, na Lapa. Tomei um segundo táxi. Não havíamos corrido um quilômetro e o taxista, muito gentil, me alertou:

- Hoje é o dia da Convocação.
- Sei, um seu colega já me preveniu. Mas parece que nada vai fechar.

Espantei-me com o nível de informação dos taxistas. Pelo jeito, só eu não sabia que hoje era o sagrado dia da Convocação. Cumpri os trâmites na PF, surpreendentemente em pouco menos de hora, quarta-feira que vem tenho um passaporte zerinho, daqueles azuis. Ao voltar para casa, pouco depois de meio-dia, o taxista me adverte:

- A Convocação é agora, às 13h.

Aí não entendi mais nada. Pensava que era uma data. Mais que data, tinha horário. Fui então informado que era a convocação dos bravos que jogarão na Copa. Foi quando me lembrei então que, a partir de hoje, começa meu inferno astral.

Já contei que Copa é o único momento em que torço por futebol. Mas só torço em circunstâncias especiais. É quando o Brasil vai para semifinais ou finais. Torço contra o Brasil, é claro. A bem da verdade, há um outro momento em que torço. É na largada da Copa. Para que o Brasil perca logo e termine essa palhaçada, que agora ameaça até mesmo a colocar o Congresso em recesso a partir do mês que vem.

Leio na Folha de São Paulo que o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), disse ontem que proporá o adiantamento do recesso branco, período em que os congressistas só vão a Brasília para votar temas urgentes, sem ter a falta computada. Pela proposta, que deve ser apresentada aos demais líderes nesta semana, o recesso começaria em 10 de junho, um dia antes da Copa. Em anos eleitorais, esse período geralmente ocorre após o recesso oficial (de 18 a 31 de julho).

O pior que poderá acontecer para a nação é o Brasil sair vitorioso. Depois da Copa, viria a celebração da vitória. Depois da celebração da vitória, entramos em período eleitoral, quando os deputados e senadores abandonam o Congresso à cata de votos em seus currais. Depois das eleições, as celebrações da vitória. E depois da celebração da vitória, já é Natal. Se aprovada a moção do deputado petista, os trabalhos deste ano no Congresso se encerram na segunda semana do mês que vem. Se bem que, conhecendo os bois com que lavro, talvez um Congresso em recesso seja mais benéfico à nação que um congresso em ação.

Enquanto isso, os partidos se engalfinham e fazem as mais espúrias alianças em busca de segundos no horário de propaganda política. Se chegam a perder a dignidade aliando-se a antigos adversários e mesmo a políticos notoriamente corruptos, é porque horário político algo rende.

E aqui fica meu pasmo. Que uma nação de fanáticos curta a Copa, até que entendo. Futebol mexe com emoções, nacionalismos tacanhos, rivalidades mesquinhas. Povinho é isso mesmo. Difícil de entender é que algum brasileiro sente frente à televisão para assistir às mentiras dessa escória.

Me engana que eu gosto – é o que parece pensar o eleitor. Este Brasil bem que merece os políticos que tem.