¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, maio 06, 2010
 
CÔNEGO QUER MENDIGOS
LIMPOS E SENTADINHOS



Alvíssaras! Nesta São Paulo onde os largos das igrejas mais parecem pátios de milagres, a administração da Sé não quer mais que moradores de rua passem o dia nas escadarias da catedral. Ora, a Igreja Católica sempre foi defensora incondicional do chamados moradores de rua, expressão cunhada pelos padres, como se rua fosse lugar de morar.

Quando cheguei em São Paulo, morei perto da igreja Santa Cecília. Uma chusma de mendigos infestava o largo de mesmo nome, exalando um odor acre de urina e fezes. Deitavam-se sob a marquise de uma agência do Bradesco. Entrar no banco era algo que dava asco. Na época, o prefeito era Paulo Maluf. Escrevi uma carta à prefeitura pedindo a remoção dos vagabundos. Minha carta andou de instância em instância e voltou com quinze ou vinte carimbos, mais um despacho final: que era impossível remover os mendigos.

Alguns anos depois, como que por milagre, os mendigos desapareceram. Estou em meu barbeiro e pego um jornaleco da paróquia, o Santaceciliano. Uma assistente social, indignada, reclamava: “onde estão nossos mendigos? Quem os tirou do largo? Queremos nossos mendigos de volta”. Alguém, em algum lugar, havia roubado o ganha-pão da moça.

Continuo morando na mesma região, mas agora em Higienópolis. O bairro é muito místico, tem desde igrejas católicas a sinagogas, templos espíritas e de Testemunhas de Jeová, mais casas de seitas menores. Os mendigos, invariavelmente, estão junto às igrejas católicas. Você não vê um único mendigo nas proximidades de uma sinagoga.

O fato é que existe toda uma indústria da miséria. Os padres enviam fotos de gente atirada nas calçadas para o Primeiro Mundo e recebem gordas subvenções de instituições como a Misereor e Charitas. Que, não por acaso, financiam também a guerrilha do MST. Recebem milhões de dólares, que se traduzem em uma sopa rala aos mendigos, distribuída preferentemente em bairros nobres da cidade. Como uma espécie de mensagem aos moradores: contemplem, senhores burgueses, as vítimas do capital.

Assim, se você conseguiu alcançar uma situação econômica que lhe permite morar em um bairro rico, muitas vezes terá de suportar este insulto dos padres e freiras de Roma.
Toda vez que uma autoridade tenta limpar a cidade, afastando do centro a mendicância, saltam do nada os defensores dos tais de Direitos Humanos. Que criaram inclusive um palavrão: higienização. Se a palavra algum dia teve uma conotação positiva, hoje passou a significar abuso de poder.

No largo Santa Cecília, quando os caminhões da Prefeitura vinham para limpar a praça, houve até mesmo militantes que se deitavam frente aos canhões de água, para proteger o sono dos justos. Os mendigos sentiam-se donos da rua. Certa vez, fui constrangido a chutar um deles. Frente a meu edifício, deitou-se transversalmente na rua, entre uma árvore e o muro, impedindo a passagem de quem quer que fosse. Não hesitei. Chutei-o.

Levantou-se indignado: a Constituição me garante o direito de ir e vir. Essa agora! Mendigo brandindo constituição! Claro que ali havia o dedo de alguma assistente social.

- O direito de ir e vir a Constituição te garante – respondi. – Mas não o de deitar. Rua daqui.

Assistimos agora a algo insólito em São Paulo. O cônego Walter Caldeira, cura que administra o dia a dia da catedral, quer afastar os mendigos de seu entorno. O argumento é que, além de ser um dos cartões postais da cidade, a igreja recebe em média 800 turistas por dia. E tanto esses visitantes quanto os freqüentadores das missas e outras cerimônias devem ter liberdade de subir e descer os degraus sem ser abordados por pedintes. Algo está mudando. Vão longe os dias em que o cardeal Arns oficiava uma missa, tendo a seus pés uma criança entorpecida pelo crack.

De tempos em tempos, surgem nas cidades profetas do óbvio. Diz o cônego: "É preciso que haja respeito. Lugar de sentar é no banco. Degrau serve para passagem". Aleluia! O cônego acaba de descobrir a América. Vai pagar caro pela descoberta. Amanhã mesmo, não faltarão os incondicionais defensores dos tais de direitos humanos para acusá-lo de propósitos higienizantes.

A bem da verdade, o cura exagera. As escadarias da Piaza Spagna em Roma, ou as de Montmartre em Paris, estão cheias de gente sentada, o que constitui um cartão postal destas cidades. Só que não são mendigos. São casais de namorados, jovens e anciões, turistas e romanos ou parisienses que querem tomar sol e contemplar a cidade. Como bom católico, padre Caldeira adora a miséria. Mas quer uma miséria limpinha: "Não queremos os pobres longe. Queremos os pobres dignamente cuidados, tratados, não jogados nos cantos, urinados, defecados, sujos".

Ou seja: miséria sim. Mas miséria bonitinha. Sentadinha em bancos. Miséria deitada é feia. Acontece que faz parte da miséria ser suja. A deduzir-se da visão do cura, urge instalar bancos na praça, para que os mendigos peçam esmolas comodamente sentados.

Terminar com a pobreza, nem pensar. A Igreja vive disso.