¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, maio 15, 2010
 
EU, ATEU,
E A ATEA



Comentando crônica passada, me escreve Daniel Sottomaior, da ATEA, Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos:

Prezado colunista, a respeito de sua coluna "coisa de ianques", devo informá-lo que infelizmente a idéia de que não existe preconceito contra ateus no país é equivocada, e há números para prová-lo.

O missivista me remete a um link onde leio:

Um dos motivos de existência da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos é justamente lutar contra esse preconceito, que pode ser prontamente confirmado por uma infinidade de descrentes. Sugiro que dê um pulinho em comunidades online e pergunte por essas experiências, e encontrará várias. Não é à toa que os criminosos são chamados de "sem deus" por aqui e que tantas pessoas apontam a falta de religião como causa do crime. São maneiras perfeitamente equivalentes de apontar que ateus são criminosos.

Ora, essa acusação de que ateus não têm ética nada tem de novo. Meus leitores católicos alegam que, sendo ateu, não tenho ética. Pois o fundamento de toda ética seria Deus. E logo lançam mão de Dostoievski, citando uma frase que o russo nunca escreveu: "se Deus não existe, tudo é permitido". Ora, não vou chamar isso de preconceito. É legítima defesa de fanáticos que se sentem feridos em suas convicções. Se teço críticas à fé dos crentes, é perfeitamente normal que os crentes reajam a minhas críticas. Se reagem baseados em falsas premissas, azar o deles.

Vou adiante. Temos uma ética mais estóica que qualquer crente. Nossa ética não pede compensação alguma. Não cremos no além, não tememos castigos futuros e tampouco apostamos em felicidades futuras. Somos éticos porque somos éticos. Nada esperamos de volta. Mas Sottomaior me envia ainda as razões pelas quais devo associar-me à ATEA:

Há vários motivos. Por exemplo, para lutar contra o preconceito e a discriminação. Além de empregos que foram perdidos ou não chegaram a ser ocupados, e diversas outras situações no dia-a-dia que foram e são vividas por muitos ateus e agnósticos, como por exemplo a associação que se faz entre criminalidade e ausência de religião ("só um sujeito sem deus no coração poderia ter estuprado e matado essa menina"), existem dados sólidos para mostrar como as pessoas se comportam com relação ao ateísmo.

Como escrevi, nunca presenciei, em minhas seis décadas de vida, discriminação alguma contra ateus. É fácil falar em empregos perdidos. Mais difícil é comprovar esta afirmação. Ora, se alguém disputa um cargo de secretário numa paróquia, não pretenderá ocupá-lo se se declarar ostensivamente ateu. Tampouco seria de bom tom fazer profissão de ateísmo em plena missa. Claro que isso gera reações. Daí a discriminação vai uma longa distância. Continua o texto:

Por exemplo, para medir índices de rejeição, há décadas o instituto Gallup vem perguntando aos norte-americanos se eles votariam para presidente em um indivíduo no geral bem qualificado e indicado pelo partido de sua preferência, caso ele fosse judeu, negro, mulher, etc. Nos Estados Unidos, os ateus têm hoje o maior índice de de rejeição entre todos os grupos pesquisados (53% não votariam em um ateu), bem à frente do segundo colocado (43% não votariam em um homossexual). A revista Veja encomendou uma pesquisa semelhante ao CNT/Sensus e descobriu que 84% dos brasileiros votariam em um negro para presidente da República (para 14%, "depende"), 57% dariam o voto a uma mulher (para 29%, "depende"), 32% aceitariam votar em um homossexual (para 32%, "depende"), mas apenas 13% votariam em um candidato ateu (para 25%, "depende").

Como escrevi, é coisa de ianques. Cá entre nós, apesar das pesquisas do CNT/Census, os dois últimos presidentes eleitos pelo “maior país católico do mundo” eram confessadamente ateus. O que comprova que pesquisa e palpite são a mesma coisa. Brasileiro não se preocupa mais com isso.

Por outro lado, me soa insólita uma associação de ateus. É como se fosse uma associação de solipsistas. Ou de solitários, como quisermos. Ateu é o homem que nega a fé em deus ou deuses. Que crentes se associem para preservar sua fé, até que entendo. Nós, ateus, não temos fé nenhuma a preservar. Nossa descrença dispensa apoio de quem quer que seja. Isso de associação de ateus me soa à religião.

Mais insólita ainda me soa uma associação brasileira de ateus, como se ateu tivesse pátria. Me lembra uma piada da Irlanda. Um cidadão foi interpelado em uma barreira. Alegou: “mas eu sou ateu, nada tenho a ver com as brigas de vocês”. Tudo bem - respondeu o guarda -. Mas você é ateu católico ou ateu protestante? Ora, nós somos universais. Não existe ateu brasileiro ou ateu francês ou ateu espanhol. Existem ateus, simplesmente.

Por ter manifestado meu ateísmo, não poucas vezes fui convidado a participar de grupos de ateus. Para começar, sou avesso a qualquer grupo. Não pertenço a nenhum. A idéia de grupo me horroriza. Continuando, se sou ateu, não sou militante. Que as gentes creiam no que bem entenderem. Desde que não pretendam me proibir o direito a críticas, tanto faz como tanto fez. Se uma fé faz bem a alguém, não serei eu quem pretenderá extirpá-la.

Desconfio de todo ateu militante. É alguém que não está contente com seu próprio deus. Mas está doidinho para encontrar um outro na esquina.