¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, maio 12, 2010
 
QUEM NÃO
MENTE
NÃO TRAI



Ciência, cientista e científico são palavrinhas que conferem autoridade a qualquer pesquisa. Só que estas palavrinhas são como o nome de Deus. Se desgastaram de tanto serem usadas em vão. Hoje, quando lemos que cientistas dizem, cientistas descobrem, cientistas afirmam, já ficamos com um pé atrás. Fascinados com pesquisas e metodologias, os tais de cientistas deixam de lado o óbvio e buscam resposta no inverossímil. Para que facilitar quando se pode complicar? Facilitando não se chega muito longe. Complicando, pode dar até Nobel.

Muito já li sobre pesquisas que buscam o gene do homossexualismo. Ora, pode ser que, por disposição orgânica, algumas pessoas tenham uma tendência inata ao homossexualismo. Mas onde ficam aqueles que, tendo bebido das águas desta fonte, fizeram uma opção? Tudo depende de gosto neste mundo sem fronteira, diz um poema da fescenina gaúcha. Que seria do amarelo se todos gostassem do azul? Pretender que homossexualismo tem raízes genéticas significa, em primeiro lugar, negar a liberdade de escolha do ser humano. Se homossexualismo é genético, perde a graça.

Em segundo lugar, esta concepção esconde uma ótica cristã segundo a qual prazer só é permissível entre homem e mulher. Os antigos gregos e romanos não pensavam assim. Foi o cristianismo que introduziu no Ocidente a idéia de que a relação homem/mulher era a única digna, justa e permissível. Estava preparada a cama para as neuroses e, conseqüentemente, a psicanálise.

Quanto ao gene da inteligência, anátema seja qualquer pesquisa. Pode acontecer que exista. E que certas etnias não o possuam. Toda e qualquer pesquisa nesta área é ipso facto racista. E não se fala mais no assunto.

Estes ilustres senhores, os cientistas, estão buscando agora um fator genético para a infidelidade. Estudos sugerem – diz hoje a Folha de São Paulo - que variações genéticas estariam relacionadas à dificuldade de ser fiel. Trabalho feito com 552 pares de gêmeos e seus parceiros, pelo Instituto Karolinska, na Suécia, avaliou um gene presente na maioria dos mamíferos, relacionado à formação de vínculos. Os homens que carregavam variações desse gene eram menos propensos a se casar: os que se casaram tiveram mais crises conjugais, e suas mulheres eram mais infelizes.

Para começar, considero abominável essa mania de fazer estudos de comportamento com ratos ou mamíferos outros e deles tirar conclusões relativas aos seres humanos. Bicho não tem consciência, não tem pensamento, não cria culturas. Não faz cinema, não faz música, não faz literatura. Não erige um Estado. Tampouco tem liberdade. Se determinado gene leva um rato a tal comportamento, gene algum forçará o homo sapiens a comportar-se conforme sua determinação. Homem é capaz dizer sim ou não. Ou talvez ou quem sabe.

Por outro lado, a reportagem não nos oferece um conceito de infidelidade, para que possamos discuti-lo sem incorrer em multivocidade de termos. Apanho então o conceito vigente, a atitude de um homem ou mulher que se relaciona com outros parceiros além do seu. Aí surge um problema: e se há um consenso entre dois parceiros – como muitas vezes há – em levar assim a vida? A meu ver, não estamos diante de um caso de infidelidade. Infidelidade há – penso – quando um parceiro oculta do outro suas relações por fora. Pode-se falar em infidelidade no mundo islâmico, quando o Corão permite quatro mulheres a cada muçulmano? Obviamente não.

Conheço pessoas que conseguem viver serenamente com um só parceiro e jamais lhes ocorreria pular a cerca. São raros – é verdade. Mas existem. A maioria não consegue suportar a monogamia. Têm pela frente dois caminhos. Estabelecer um acordo com o parceiro. Ou mentir. Me situo entre estes que não suportam a monogamia. Comecei minha vida afetiva com duas mulheres e nunca mais perdi o vício. Mas não cerro fileiras com os que mentem. Nunca consegui entender como pode alguém mentir para a pessoa com quem divide o teto, a mesa e a cama.

Não creio ser necessária a existência de um gene para levar alguém à poligamia ou poliandria. Diga-se de passagem, cá no Ocidente pelo menos, é muito difícil encontrar parceiro exclusivo. As tentações estão no ar, como pólen, e muitas pessoas não vêem porque a elas resistir. Mais honesto é abrir o jogo. Se infidelidade depende de um gene, fica mais fácil a vida dos maridos: "é genético, querida. Nada posso fazer".

Em São Paulo, no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, surge voz mais sensata que a dos cientistas do Karolinska. Diz a psiquiatra Carmita Abdo: "Você olha um "pegador" e identifica, por atitudes e pela forma de se relacionar, que ele tem maior tendência à traição. Mas ainda não dá para dizer que foi programado geneticamente para agir dessa forma".

Alvíssaras! Mas resta ainda uma questão: por que associar ao pegador a idéia de traição? Trai quem mente. Quem não mente não está traindo ninguém.