¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

segunda-feira, maio 17, 2010
 
RUMO A UM SINDICATO DE ATEUS?


Não estou transformando uma experiência pessoal em estatística nacional. Mas, para começar, não confio muito em estatísticas. Pesquisa do CNT/Sensus revelou que 84% dos brasileiros votariam em um negro para presidente da República, 57% dariam o voto a uma mulher, 32% aceitariam votar em um homossexual, mas apenas 13% votariam em um candidato ateu. No entanto, FHC e Lula, ateus notórios, foram eleitos para a magistratura suprema da nação. Há quem alegue: é, mas o Lula se diz católico. Ok! Quero então saber se vai à missa todos os domingos, se recebe os sacramentos da confissão e eucaristia, em que igreja comunga. Só o que faltava alguém acreditar nas declarações eleitoreiras de um mentiroso contumaz, que hoje diz uma coisa e amanhã o seu contrário.

Em segundo lugar, já dei mais de 60 voltas em torno ao sol, conheço bastante bem o século em que nasci, observo o mundo em que vivo, passo meus dias lendo. Nunca vi o que se possa chamar de discriminação contra ateus. Como já escrevi, não pretenda alguém confessadamente ateu conseguir emprego numa paróquia. Mesmo assim, talvez consiga. Nos anos 70, dioceses, paróquias e seminários deram abrigo a apparatchicks marxistas, ateus por definição.

A Igreja Católica deu cobertura a terroristas como Marighella. Dom Evaristo Arns manifestou apoio público ao ateu Fidel Castro. No Rio de Janeiro, o cardeal Eugenio Sales alugou 80 apartamentos para abrigar militantes de toda a América Latina, que chegaram a acolher grupos de 150, simultaneamente. O total de hospedados, entre 76 e 82, chegou a cinco mil pessoas. Não me digam que essas gentes eram todas tementes a Deus.

De experiência pessoal me fala, isto sim, o missivista. Diz ter perdido um casamento por ser ateu. Em sua mensagem, fica claro que sua noiva – a expressão é dele: “a estava namorando e noivando” - o aceitou como ateu. Quem não aceitou foi a família dela. Ora, mulher que se submete à vontade da família não merece nenhum respeito.

Por outro lado, me soa estranha a idéia de um ateu noivar. Noivado é coisa de gente de religião. Ateu que noiva é alguém que largou deus mas preservou toda a craca ética do cristianismo. Ateu que noiva não é ateu. Ateu que noiva é crente. Nós, ateus, não noivamos. Nos acasalamos, simplesmente. Pedir em casamento, muito menos. Nós, ateus, não pedimos ninguém em casamento. Nós casamos e fim de papo. Mais ainda: casamos no civil. Pelo que deduzo das queixas de meu leitor ateu, ele estava até propenso a casar no religioso. Pois obviamente a filha submissa de uma família religiosa jamais aceitaria casar apenas no civil.

O leitor diz ter encontrado sua noiva em um laboratório da Unicamp, onde ela fazia mestrado. Acontece. Há alguns anos, comentei o livro Memórias Sexuais no Opus Dei, de Antonio Carlos Brolezzi. Quarenta anos, professor do Instituto de Matemática e Estatística da USP, Brolezzi pertencia àquela estirpe de pessoas como Salvador Dali, Luiz Carlos Prestes e Louis Althusser, que só foram conhecer sexo tardiamente. No caso, aos 30 anos. A universidade está cheia de gente que acredita em deus. Conheço um doutor em Física que é crente. Não entendo como possa orientar teses, que se pretendem científicas. Conheço outro professor universitário que é espírita. Existirão milhares, senão milhões, de universitários que acreditam em deus. Em algum momento, o ensino acadêmico falhou. E continua falhando.

Você estava com a moça errada, meu caro. Seu ateísmo não foi objeto de discriminação. Pelo contrário, serviu para salvá-lo de um divórcio, com todas as seqüelas decorrentes de um divórcio. Estou cansado de ver marxistas casando bonitinho na Igreja, como se fossem os mais devotos dos crentes. Falta de personalidade. Ausência total de coerência. Conheço ateus que vão até a missas de sétimo dia.

Quanto a crucifixos em tribunais, isto é óbvia intervenção da Igreja no Estado. Ocorre que em um tribunal é mais provável que tanto juiz como advogados e promotores sejam católicos. Ou se digam católicos. O crucifixo não deixa de ser representativo. Sou contra, mas não vou dedicar minha vida a lutar contra tal sandice. O que não admiti foi um crucifixo no velório de minha mulher. Era meu espaço privado, e a Igreja o invadia. “Tirem esse lixo daí” – ordenei. Retiraram o Cristo peladão imediatamente.

Last but no least, o leitor conta que jamais ousou expressar seu ateísmo naquelas bandas – fala do Nordeste. “Sequer dizer que era ateu, pois já imaginava que o ateísmo seria entendido como imoralidade ou perversão”.

Cantiga para ninar pardais! No Nordeste são cultuados, e com muito orgulho, escritores de grande projeção nacional, todos ateus. Amado, Graciliano, Suassuna, Rachel de Queiroz, Augusto dos Anjos. Todos eles constam dos currículos escolares. Isso sem falar em Nelson Rodrigues, um dos mais brilhantes cronistas e dramaturgos do país. Se estes escritores foram discriminados, então não entendo mais o que se entende por discriminação. Jamais os vi apodados "como assassinos, ladrões, desonestos ou corruptos". Embora alguns deles participassem de alguma destas categorias.

Os ateus estão querendo passar por coitadinhos. Primeiro, a associação. Ora, associação é o primeiro passo para um sindicato. Mais um pouco, e só poderá dizer-se ateu quem for membro do Sindicato dos Ateus. Como minorias discriminadas, acabarão tendo direito a cotas na universidade.