¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, junho 21, 2010
 
A ESTUPIDEZ AVANÇA


Comentei há pouco que fanatismo em futebol era coisa de país pobre. Vários leitores me alertaram para os hooligans da Itália, Espanha e Inglaterra. Ok! Terá sido a eles que se referia Orwell, quando dizia que o futebol é o princípio da guerra civil. Mas hooliganismo é fenômeno que antecede o futebol. O termo surgiu em meados da década de 1890 - quando foi usado para descrever o nome de uma gangue de rua em Londres – e foi cunhado por um jornal londrino em 1898. A transferência do fenômeno para o futebol é relativamente recente, dataria dos anos 60 do século passado.

A palavrinha já constava de livros de Conan Doyle e H. G. Wells, de inícios do século XX. Quer dizer, antes de ser futebolístico, o fenômeno é britânico. Na Rússia tem outra acepção. Se refere a desordeiros em geral ou dissidentes políticos. Quem não lembra de Mathias Rust, o jovem alemão que, voando de Hamburgo, atravessou a defesa aérea soviética, conseguindo aterrissar na Praça Vermelha ao lado do Kremlin, em 28 de maio de 1987, com dezenove anos de idade? Eu lembro, e como. Recebi a notícia numa madrugada em que perambulava por Madri, e me diverti imensamente. Pois bem, Rust foi acusado de hooliganismo.

Não, não me refiro à violência das torcidas quando falo em fanatismo. Isso sempre existirá em qualquer parte do mundo. Me refiro, isto sim, a esta mania nossa de todo mundo vestir-se de verde e amarelo nos dias de copa. De buzinar e berrar e soltar foguetes durante os jogos. Vivi pelo menos dois períodos de eventos futebolísticos na Europa e não vi nada disso.

O primeiro foi a Copa de 78, quando eu vivia em Paris. Algumas televisões nos bares, franceses torcendo com discrição. Quando jogavam os azuis, discretas manifestações de apoio, tipo “allez, les bleus”, “c’est bon!”, “c’est bon ça!” Não ouvi foguetes nem buzinas nem gritarias. Nem vi franceses uniformizados.

O segundo foi em 2000, durante uma Eurocopa. Caí em Oslo em um feriadão. Fui comer em um boteco imenso, em meio a uma praça e encontrei, para minha surpresa, oito telões. Com futebol, é claro. A impressão que tive é que tinha chegado ao Brasil. Mas os noruegueses não faziam escândalos a cada gol, nem estavam fantasiados de noruegueses. Na ocasião, passei por mais quatro países e nada vi que cheirasse a fanatismo. Ou seja, futebol naquelas bandas não é a pátria de chuteiras.

O legado perverso das copas, que noto na Europa, foi a televisão nos cafés. Chegaram durante os jogos e foram ficando. Seja como for, o norte é sempre mais civilizado. Enquanto a televisão está se tornando onipresente no sul do continente, nos países nórdicos é mais rara.

Falei também desta mania nossa de decretar feriado a cada jogo da seleção. Um leitor me adverte que “a idiotice é uma doença mundial. Em qualquer telejornal é possível ver cidadãos em Paris, Roma, ou em outras cidades da Europa vestindo as cores dos seus times ou enrolados com bandeiras. Quanto a liberar funcionários, uma amiga uma vez contou que, quando fazia mestrado em Stuttgart, as aulas eram suspensas nos dias em que a Alemanha jogava, as repartições e lojas fechavam e apenas os bares permaneciam abertos, com muita cerveja e grandes telões para transmitir os jogos”.

Cá entre nós, nunca vi gente enrolada em bandeiras nas ruas das cidades européias. Que estejam enroladas nos estádios se entende. Quanto à Alemanha, consultei boa amiga que vive em Berlim há mais de trinta anos e ela me respondeu:

“Muitas coisas mudaram na Alemanha nos últimos anos, inclusive em relação ao comportamento durante a copa do mundo. Diria que os alemães estão mais descontraídos e tem mais coragem de mostrar suas paixões. Os restaurantes e bares todos têm uma televisão ou telão ligados durante os jogos, às vezes sem som, mas onde podes dar uma olhada enquanto comes. Virou moda, como no Brasil, assistir aos jogos em comunidade, em lugares abertos ou cobertos.

“Existe um enorme telão na frente do estádio olímpico onde 300 mil pessoas podem assistir ao jogo. Estão montando mais um telão na frente da porta de Brandenburgo e vão fechar a avenida 17 de Junho para os próximos jogos. Há também mais descontração em relação aos horários de trabalho e escolas. Os colégios secundários dispensaram os alunos às 13:00 horas quando a Alemanha ia jogar às 13:30. Neste dia meu filho foi dispensado de ir de terno e gravata ao seu trabalho e o chefe assistiu com os empregados ao jogo, mas depois se voltou a trabalhar novamente.

“Quer dizer: pode-se em alguns tipos de trabalho dar uma olhada no jogo, não há dispensas e os serviços públicos continuam a funcionar, mas procura-se não fazer uso deles. Ainda assim acho que nos bancos alguém pode dar uma olhadinha na internet. Quando a Alemanha joga às 20:30 a cidade já está vazia meia hora antes e posso afirmar que metade da população está na frente dos grandes telões distribuídos em todos os bairros”.

Ou seja, a estupidez se universaliza. Volto àquela pergunta de um filme cujo nome não lembrava e um leitor informou-me ser Invasores de Corpos - Invasion of the Body Snatchers - de Philip Kaufman:

- Fugir para onde?