¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, junho 06, 2010
 
HISTÓRIA DO FEIO MANFRED

Conto de Tage Danielsson
Tradução do sueco de Janer Cristaldo


Era uma vez um rapaz de 26 anos que se chamava Manfred. Vocês mal podem imaginar quanta pena inspirava. Morava com sua madrasta junto com seus dois malvados irmãos por parte de pai, Knut e Stig-Niklas. Knut e Stig-Niklas vagavam pelas noites e encontravam garotas, mas Manfred jamais encontrava garota alguma, por um lado porque não podia sair, por outro porque seu aspecto medíocre e murcho não chamava a atenção de ninguém. Enquanto seus irmãos gozavam as boas coisas da vida, Manfred tinha de ficar em casa e encarregar-se dos mais pesados trabalhos domésticos, como preparar tele-sanduíches e limpar cinzeiros.

Nessa época o rei organizaria um baile no castelo para casar de uma vez a princesa mais jovem. Tinha um trabalhão com isso, mas enfim, já havia encontrado bons partidos para todas as princesas, exceto para a mais jovem. Não que ela tivesse dificuldades em encontrar candidatos interessados, pois era bela como um dia de primavera e formosa como a estação inteira. Não, o problema era que a princesa era muito exigente. Achava que ninguém lhe servia. E é claro que se alguém joga fora rios de dinheiro e se submete a uma série de incômodos em função de sua aparência e educação, vai querer ser bem pago por seu trabalho.

O rei iria então dar um baile, e todos os sedutores rapazes de boa família foram convidados ao castelo. Os irmãos de Manfred foram também convidados, já que o pai destes fora cavalheiro de companhia do rei, pois lhe contava histórias divertidas que muito o agradavam. Por um engano na expedição dos convites, Manfred também foi convidado. Primeiro ficou muito alegre, mas depois pensou desolado:

“Como posso ir ao baile no castelo, eu que pareço tão murcho e medíocre e nem ao menos tenho roupas bonitas?”

Seus irmãos não o estimulavam:

“Ha, ha, Manfred feioso, tu não podes ir ao castelo. A princesa morreria de rir se chegasse a ver tua cara com essa pele horrorosa. Ha, ha!”

Manfred não conseguiu dormir naquela noite. Ele queria intensamente ver a linda princesa. Soluçava em silêncio em sua cama estreita e dura.

Subitamente surgiu como que uma fada na noite escura e segredou-lhe no ouvido:

“Brilhantina! Brilhantina!”

Manfred sentou-se rígido na cama. Como não lhe ocorrera isso antes? A vida adquiria um novo sentido para ele naquela noite, e ele mal podia conter-se até a chegada da manhã.

Tão logo abriram as butiques, lá estava Manfred fazendo compras. Esvaziou seu bolso de todas as moedinhas que os irmãos lhe haviam ordenado que retirasse do bolsinho de suas calças, pois não queriam deformar as linhas de suas coxas com as moedinhas de cinco öre penduradas na perna.

Esse dinheiro vinha agora bem a propósito. Como um enfeitiçado, Manfred perambulou no mundo mágico dos anúncios de lojas, comprou cremes, óleos, loções, um smoking para homens que têm aquele algo a mais e também um creme dental de duplo efeito (por um lado tornava os dentes mais belos, por outro mais feios). Com um pensamento de gratidão à boa fada, comprou também Brylcreem e, finalmente, como coroamento de tudo, um vidro de Drops of Magic, que elimina todas as rugas e asperezas da face pelo espaço de cinco horas.

Assobiando alegremente Manfred voltou para casa, chaveou-se em seu minúsculo quarto e começou a lavar-se, escovar-se, friccionar-se, engraxar-se, massagear-se, sprayar-se, aftershevar-se e vestir-se. Quando ficou pronto eram sete horas. Aplicou delicadamente as gotas mágicas de Drops of Magic em sua face rugosa e áspera e deixou passar o tempo indicado. O milagre acontecera! Rugas e asperezas haviam sumido por cinco horas!

No castelo do rei os convidados já haviam chegado. Era uma linda e brilhante reunião de cavalheiros e damas, mas a mais bela de todas era a própria princesa. Ela brilhava como uma estrela luminosa e transtornava a cabeça de todos os homens.

Manfred desceu de seu táxi, jogou displicentemente duas moedinhas de cinco öre ao chofer e subiu a escadaria do castelo com aquele ar descontraído e leve de um home que usa roupas de estilo. Abriu caminho nonchalantemente através da multidão, inclinou-se ligeiramente ante a princesa e beijou-lhe a mão. O público sobressaltou-se – e como que um sussurro perpassou o castelo:

“Brilhantina! Brilhantina!”

Os malvados irmãos de Manfred não acreditavam em seus olhos. Então era este o irmão grosseiro e insignificante? Como era possível uma tal mágica? A pergunta estava escrita nos olhos dos irmãos. E nos olhos de Manfred se podia ler a resposta:

“Arregalem os olhos! Sinto-me seguro, compreendem, seguro sob os braços, no cabelo, na boca, nariz e garganta, nos ouvidos, nos pés, em toda parte!”

A princesa arregalou os olhos ao fixá-los no elegante penteado de Manfred e em suas feições suaves porém viris. “Quero a ele”, gritou algo dentro dela, “ele e mais ninguém”.

Manfred sorria vitorioso. Durante o tempo olharam-se, comeram, beberam, dançaram, conversaram e pensaram no que poderiam fazer se estivessem a sós, como pensam os namorados quando não estão a sós.

O tempo transcorreu para a princesa e Manfred numa nuvem rósea de felicidade. Na última dança, Manfred deixou de lado o rígido protocolo do baile real e colou sua face à da princesa, com a superior autoconfiança de um homem que usa loção de barba com aroma de couro e de tabaco inglês.

Manfred sentia-se embriagado por ter o destino transformado seus maus dias em bons dias. Retirou sua mão esquerda da mão da princesa em meio à suave valsa e acariciou delicadamente seus cabelos.

Em meio ao movimento seus olhos pousaram ocasionalmente em seu relógio Rolex, que é usado pelos homens que regem os destinos do mundo. Parou com um movimento brusco em meio a um elegante passo duplo. Era meia-noite! Com uma sensação de naufrágio no vácuo do estômago, Manfred notou como as Drops of Magic deixaram de agir. Seu rosto começou a ficar mais enrugado do que nunca.

Tentou esconder da princesa o rosto olhando para seus sapatos – outros fizeram o mesmo. Sapatos franceses de verniz laqueados para senhores com pés delgados. Os pés de Manfred não eram delgados. Os sapatos estavam com as costuras rebentadas!

Em pânico selvagem, Manfred desembaraçou-se dos sapatos que mais pareciam casretas abertas e precipitou-se desabaladamente pela escadaria do castelo. Com lágrimas correndo pelas suas agora indescritivelmente enrugadas faces, correu para longe na noite, para muito muito longe.

A princesa chorou sete dias e sete noites e ameaçou seu pai de morrer de dor se não lhe trouxesse de volta o amado. O rei empregou todos seus recursos. Servidores saíram com os restos dos sapatos de verniz laqueado para encontrar os pés que os haviam feito em pedaços. Nada de Manfred. O rei chamou Manfred pelo rádio, pelo canal 7, pois quando se é rei deve-se evidentemente parecer cultivado. Nada de Manfred.

Por fim os cães do castelo foram enviados à caça de Manfred. Mas Manfred estava e continuou desaparecido, pois Mum elimina qualquer odor de um homem que nem mesmo um cão de rastro consegue farejá-lo.