¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, junho 26, 2010
 
LÍNGUAS MORREM À MÍNGUA


Quando jovem, sempre achei que quando uma língua morria, a humanidade se tornava mais pobre. Jovens são geralmente românticos e gostam de frases grandiloqüentes. Hoje penso diferente. Há línguas demais no mundo. Os homens se entenderiam melhor se elas não fossem tantas. Recente reportagem do El País pergunta se o leitor sabia que a África do Sul tem nove línguas oficiais. Entre essas nove línguas não está o korana que, segundo a Unesco, é falado por apenas seis pessoas e é um firme candidato a unir-se à lista de idiomas extintos.

Firme candidato? Ora, uma língua que é falada apenas por meia dúzia de pessoas já está extinta. Não há esforço na face da Terra que possa salvá-la. Como expandir um idioma que é falado por alguns gatos pingados? Mais ainda: para quê? Para que a maioria de uma nação possa entender seis pessoas?

Segundo o jornal, no início deste ano, a mídia celebrou o funeral pelo idioma bo, quando a última falante desta tribo das ilhas Andamán, na Índia, morreu aos 85 anos. Ora, uma língua falada por uma só pessoa só serve para solilóquios. Se não serve para estabelecer comunicação com ninguém mais, está morta e bem enterrada. Não é o que pensa a lingüista Colette Grinevald, que põe em dúvida o conceito de último falante: “É um mito para os jornalistas, nunca se sabe qual é a última pessoa que fala uma língua, porque os últimos falantes se escondem quando uma língua é desprezada”.

O que em pouco muda a situação. Se não há um último falante, há últimos falantes. Deplorar a morte de uma língua é desconhecer a história. Se civilizações e impérios morrem, por que não haveria de morrer uma língua? Segundo os especialistas, mais da metade das seis mil línguas faladas no mundo estão ameaçadas. Que estejam! Quantas línguas já morreram no mundo, algumas das quais certamente jamais tivemos notícias? Quem consegue decifrar hoje o manuscrito Voynich?

Uma língua, costumo afirmar, tem ter atrás de si um exército, uma marinha e uma força aérea. Se não tiver, é dialeto. Uma língua só se expande quando seus falantes fazem ciência, arte, tecnologia. As palavras surgem para designar fatos ou coisas novas. A medicina, a biologia, a engenharia, a arquitetura, a música ou a literatura, inundam os idiomas de novos conceitos, que necessitam de novas palavras.

Que ciência ou arte pode fazer uma comunidade de seis pessoas? Na falta de coisas novas a serem nomeadas, a língua morre à míngua. Línguas não desaparecem por acaso. Morrem quando seus falantes perderam o elã vital e não conseguem produzir mais cultura. As línguas indígenas, de tribos que não conseguiram escapar de uma cultura ágrafa, estão todas condenadas à extinção. Apesar dos esforços dos neo-rousseaunianos que querem ressuscitá-las a fórceps.

É o que está se tentando fazer no Brasil. São Gabriel da Cachoeira, localizado no extremo norte do Amazonas, foi o primeiro município brasileiro a adotar três línguas indígenas oficiais, o nheengatu, o tucano e o baniwa. Mais ainda: a lei estabelece também que nenhuma pessoa poderá ser discriminada em razão da língua oficial falada, devendo ser respeitada e valorizada as variedades da língua guarani, como o kaiowá, o ñandeva e o mbya.

Que os falantes destas línguas pratiquem tais idiomas, nada contra. Que não sejam discriminadas, muito menos. Que sejam elevados à condição de língua oficial é um despautério. Inconstitucional, inclusive. Diz o artigo 13 da Constituição Federal, no capítulo sobre a nacionalidade: "A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil". A Carta Magna não contempla outros idiomas. Mas a moda começa a pegar. Em Tacuru, Mato Grosso do Sul, o guarani foi adotado como língua oficial. Com a sanção do presidente da República. Constituição, no Brasil, é apenas um papel pintado com tinta.

O Brasil só se tornou viável quando no final do século XVIII o marquês de Pombal, então primeiro-ministro de Portugal, baniu o ensino do nheengatu das escolas e instituiu o português como língua oficial. Na época, Portugal já tinha história, dispunha de arte, ciência, tecnologia. Isto é, tinha coisas a nomear. Que nos resta do nheengatu? Alguns topônimos e palavras que nomeiam árvores, animais, peixes e frutos da terra. Quem não produz cultura não produz língua.

Usada em cinco continentes, por mais de 240 milhões de falantes, a língua portuguesa é a terceira mais praticada nos continentes africano e europeu. Os defensores incondicionais da bárbarie, ao que tudo indica, pretendem renunciar a esse rico legado e ressuscitar – contra a vontade dos cadáveres – línguas que não resistiram ao tempo.

Segundo Américo Córdula, secretário da Identidade e Diversidade Cultural/MinC, “temos no Brasil uma comunidade de aproximadamente um milhão de indígenas, formada por 270 povos diferentes, falantes de mais de 180 línguas”. Leio que em março deste ano, foi criado o primeiro Colegiado de Culturas Indígenas, formado por 15 titulares e 15 suplentes representantes do segmento. Maria das Dores do Prado, da tribo dos pankararu – apesar do nome -, foi escolhida para defender as políticas públicas voltadas para a valorização da cultura de todas as comunidades indígenas brasileiras e reivindica a manutenção de todas as línguas nativas.

Tal absurdo, se exeqüível, significaria a dissolução da nação como a concebemos. Um país que mal se entende em uma única língua, passaria a ter mais 180. Malucos é o que não falta no MinC.