¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, junho 25, 2010
 
POETA DEFENDE
DOENÇA MENTAL



Na Veja on line, leio entrevista com um poeta gaúcho, de unhas rosadas e cheio de tatuagens:

- Você também desconstrói o ciúme, e parece admirá-lo.
- Isso mesmo! Primeiro, porque ele vai explodir no momento certo. A pior coisa que existe hoje é as pessoas terem vergonha do ciúme. Ele é tratado como doença. Você não vai dizer para o namorado que está com ciúme. Vai tentar sonegá-lo, escondê-lo, e ele só vai crescer. Se a mulher confessa que tem ciúme, o homem diz “Você não confia em mim?”. Assim, ele coloca em risco o relacionamento e não permite que você sinta ciúme. E eu acho que o ciúme é indispensável. Porque é a pessoa ciumenta que vai se importar com você, vai ser leal, escutar o que você diz. A gente pensa nos efeitos colaterais do ciúme, no barraco, no escândalo, mas a gente esquece o lado positivo, a cumplicidade, a intimidade, a preocupação. Ele só se torna incontrolável quando sufocado.


Que barraco? Que escândalo? Isso é coisa de gente pobre e inculta. Entre civilizados, tudo se resolve com diálogo. Se há um consenso do casal em manter relações abertas, tudo bem. Se não há, que aceitem os termos do contrato. Ou se separem, numa boa. O que não pode é viver sob o mesmo teto, dormindo na mesma cama, desconfiando um do outro. É preciso ser muito doente para fazer a defesa do ciúme em pleno século XXI.

O poeta insiste em defender sua doença. Doença tão perversa que tem sido a causa da maior parte dos crimes ditos passionais, que ainda existem nestes dias. Houve época, há uns bons quarenta anos, em que todo marido que desconfiava de sua mulher, ou que tinha provas de sua infidelidade, a matava. E era absolvido por seus colegas de chifre. Protestei vivamente contra estes assassinatos impunes, em crônica que republico abaixo, “Falência do macho”. Na ocasião, três maridos de Bagé me escreveram uma carta indignada: “quer dizer que não temos o direito de matar a própria mulher quando ela nos trai?”

Naqueles dias, pensava-se assim. Quem ama não mata, dizia uma novela televisiva dos anos 70. Eu não estava no Brasil na ocasião. Se estivesse, teria escrito: só mata quem ama. O tal de amor, enquanto visto como relação exclusiva, foi um dos grandes fatores criminógenos dos séculos passados. Continua matando até hoje.

Em meus dias de universidade, eu participava de uma mesa num boteco de Porto Alegre, freqüentada também por um ilustre advogado. Era um homem liberal. “Tenho as mulheres que quero. Minha mulher não se preocupa com elas”.

Achei simpática a tese e perguntei se ele se importava com os homens de sua mulher. Melhor não tivesse perguntado. O rábula começou manso: “como se comportar assim numa sociedade suja como a nossa?” Ele podia se comportar assim. Sua mulher, não. Terminou furioso. Puxou o revólver e o colocou sobre a mesa, cano virado para mim.

Tirei meu time de campo. Contra armas não há argumentos. Vai daí que, rabiscando meus primeiros contos, elaborei uma ficção em torno ao episódio, ficção que nunca publiquei e hoje repousa em alguma de minhas gavetas. Aventava um final diferente: o advogado matava sua mulher. Cala-te boca! Alguns meses depois, o ilustre advogado matou sua compreensiva companheira. Para subtrair-se a qualquer punição, deu um tiro nos próprios cornos. Me senti profeta, naqueles dias.

Coisa de gente insegura. Me espanta ouvir hoje, de alguém que se pretende culto, um elogio aos ciúmes. Para quando será o assassinato da moça?