¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

sábado, junho 05, 2010
 
SOBRE A PERICULOSIDADE DOS ORNITÓLOGOS *


Ano passado, comentei o perigo que os ornitólogos representam para a economia de um país. A idéia que temos destes senhores é a de pacatos cidadãos que adoram observar essas maravilhas da natureza, os passarinhos. Até pode ser. Mas sempre é bom desconfiar quando ornitólogos apresentam um pássaro na televisão. Normalmente, há grossa sacanagem de ONGs e ambientalistas atrás disto.

Nos dias em que vivi no Paraná, durante semanas foi vedete dos noticiários televisivos um pequeno pássaro, uma espécie de pardal, que estaria ameaçado de extinção. Chamava-se curiango-do-banhado e habitava nos arredores de Curitiba. Durante longos minutos, o bichinho era exibido em seus ângulos mais simpáticos, sempre com a mensagem: corre perigo de extinção. Ano seguinte, foi a vez de uma nova espécie de tapaculo, da família Rhinocryptidae, batizada com o nome popular de macuquinho-da-várzea. Também vivia nos arredores de Curitiba. Algumas semanas mais tarde se soube ao que vinham o curiango-do-banhado e o macuquinho-da-várzea. Para preservá-los, era preciso preservar seu habitat natural. E para preservar seu habitat natural, as tais de ONGs fizeram uma ferrenha campanha para impedir a construção de uma barragem que abasteceria a capital paranaense. Me consta que o projeto de barragem morreu na casca.

Há alguns anos, vi uma reportagem no 60 Minutes sobre uma região da Índia que abrigava quarenta milhões de habitantes. O programa começava mostrando mulheres e crianças carregando em baldes, para próprio consumo, uma água preta e lamacenta. Outras juntavam esterco de vaca, usado como combustível. Havia um projeto de uma represa para abastecer de energia elétrica e água potável a região toda. Uma ONG vetou o projeto junto ao Banco Mundial, com a argumentação de que a represa ameaçava uma espécie qualquer de tigre. A represa gorou e quarenta milhões de pessoas continuaram a beber água podre e cozinhar com esterco de vaca.

A reportagem entrevistava em Nova York, em um elegante apartamento, a porta-voz da ONG que conseguiu sepultar a represa. Não sei se a moça percebeu a ironia, mas o repórter a filma enchendo um copo de límpida água de torneira. O repórter quer saber porque privar milhões de pessoas de água limpa. A moça dizia mais ou menos o seguinte (cito de memória): não queremos que aquelas populações adquiram os hábitos de consumo do Ocidente. É como se dissesse: esses hábitos do Ocidente são privilégios de ocidentais. Vocês aí, continuem catando esterco de vaca.

Claro que a moça jamais viveu naquelas condições. Eu, água preta à parte, vivi. Em meus dias de guri, esterco de vaca era um dos combustíveis que usávamos. Outro era gravetos de chirca, um arbusto daninho que invade os campos. E também madeira de árvores, particularmente de eucaliptos. Mas hoje o Ibama proíbe derrubar qualquer árvore. Quanto à água, tinha-se água limpa. O problema é que tinha de ser buscada, operação que tomava uma boa hora de cada dia. Primeiro era preciso encilhar um cavalo, atrelar uma rasta com uma barrica, levar a barrica até a cacimba - a mais de quilômetro de distância - enchê-la pacientemente balde a balde, usando um pano qualquer para coar a água. A fauna macroscópica ficava se contorcendo sobre o pano. Quanto à microscópica ninguém ligava e jamais vi morrer alguém por beber daquela água. A água gelada daquela cacimba até hoje me dá saudades. Quando migrei para a cidade, vi a água correndo da torneira como se estivesse diante de um milagre. Todas as casas de Roma tinham água encanada antes de Cristo. No Brasil, até hoje, milhões de pessoas não dispõem deste conforto.

Mais de trezentos projetos de barragens já foram engavetados no mundo, especialmente na África, Ásia e América Latina, por obra de ONGs. Estas organizações estão cometendo crimes contra a humanidade, ao condenar milhões de pessoas a viver longe da água potável e energia elétrica. Seus militantes são sempre oriundos de países desenvolvidos, todos pontilhados de represas. Sua ação sempre incide sobre países do Terceiro Mundo, que precisam de energia para abandonar esta condição. É preciso olhar com cautela para os defensores aguerridos da fauna. Tigres ou passarinhos, bichinhos comoventes tipo o mico-leão-dourado, constituem uma ameaça ao desenvolvimento de países pobres quando manipulados por ongueiros.

Semana passada, dois simpáticos passarinhos ameaçados de extinção ilustraram uma reportagem na Folha de São Paulo, o papa-formigas-de-topete-branco e o rapazinho-carijó. Segundo recente estudo feito por cientistas brasileiros - e americanos, como não poderia deixar de ser - as unidades de conservação pequenas têm potencial limitado na conservação da biodiversidade na Amazônia quando se trata de espécies de pássaros. A conclusão é de um novo estudo de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, a partir de levantamentos feitos desde 1979 numa área desmatada perto de Manaus. Os cientistas tentam entender qual é fator mais crucial para a sobrevivência de espécies em um determinado fragmento de mata que tenha restado numa região desmatada. É mais importante que esse fragmento seja grande ou é mais importante que ele não esteja muito isolado de outros trechos de mata?

Seja qual for a conclusão, é óbvio que se oporá a qualquer iniciativa para desenvolver a região. "Fragmentos de cem hectares perdem a metade do número de espécies de ave em cerca de 15 anos", diz o pesquisador, que alerta para um problema: "Para diminuir dez vezes a velocidade de perda, é preciso aumentar cem vezes a área". Confesso que não sei o que está sendo projetado para a região. De qualquer forma, desde quando passarinho é prioritário ante um projeto de agricultura ou pecuária? Por outro lado, pássaros voam. Se um território tornou-se hostil, eles buscam outro. Pássaros migram. Não é preciso ser ornitólogo para saber disto. Quando migram, não migram a pé. Asas vão longe e a Amazônia é vasta.

Isto pode ser observado no Sul do país. Afugentadas pelos agrotóxicos, muitas aves do campo estão buscando as cidades. O quero-quero, ave campestre que jamais pousou em árvores, já aprendeu até mesmo a pousar em cumeeiras de casas. Necessidade obriga. Mais algumas décadas e talvez estejam pousando em fios de telefone. Se é que até lá existirão fios de telefone.

Nos anos 70, uma foto feita por um fotógrafo do Estadão ganhou prêmios internacionais, a foto de um ninho de pomba. Isolada na urbe, sem a matéria-prima usual para a construção de seu ninho - folhas e gravetos - a pomba inovou: fez um ninho de clips. Man tager vad man haver, dizia uma profunda escritora sueca, Kajsa Varg. Em bom português: a gente pega o que a gente tem. (Em tempo: Kajsa Varg é autora de livros de culinária). Os pássaros se adaptam. Quem não se adapta são os ambientalistas, aferrados a seus dogmas ecológicos.

Esses estudos que surgem de tempos em tempos nos jornais, visando criar santuários para pássaros, não passam de pretextos de ecochatos para impedir projetos agrários, usinas, estradas. Num país que não consegue sequer dar segurança a seus cidadãos, ainda há quem queira preservar o bem-estar dos pássaros. Os pássaros-vítimas-do-desenvolvimento - ou animais - têm de ser simpáticos para comover a opinião pública. Ninguém se comoveria com a preservação dos morcegos. Que nojo! Muito menos de aranhas, escorpiões ou lacraias. Já o mico-leão-dourado é podre de charme.

Assim, quando você vir ornitólogos passeando pela floresta, de binóculos em punho, como quem inocentemente observa pássaros, cuidado: algo devem estar tramando contra a humanidade.

* Publicado em 15 de janeiro de 2007