¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, junho 01, 2010
 
TUDO PELO MORIBUNDO
CINEMA TUPINIQUIM



Comentei semana passada, o caso do cinema Belas Artes, aqui de São Paulo, ameaçado de fechar as portas após perder o patrocínio do banco HSBC. Um dos sócios do cinema teve uma idéia brilhante: acrescentar um valor na conta de alguns restaurantes, que iria para um fundo de ajuda ao espaço. Eu, que já não vou ao cinema, ainda acabo me afastando de restaurantes. Pelo menos dos que aderirem a esta vigarice. Se cinema precisa de patrocínio, morra o cinema. O que não se pode aceitar é sustentar exibidores e cineastas com gorjeta de quem quer apenas comer e beber.

Ontem, no Estadão, boas novas sobre o cinema nacional. Mais uma sala paulistana, o Cine Arte Lilian Lemmertz, que conseguiu sobreviver por dez anos, graças ao apoio financeiro da distribuidora Polifilmes, fechou suas portas. A sala, de 85 lugares, especializada nos abacaxis tupiniquins, exalou seu último suspiro no domingo passado, com a exibição de um longa estrangeiro: A Ilha do Medo, com Leonardo Di Caprio. Na última sessão, teve apenas 11 espectadores.

Segundo o diretor teatral Tanah Corrêa, fundador da sala, o local precisa de R$ 25 mil por mês, mas era comum o saldo ficar negativo em até R$ 10 mil. Quem manda exibir cinema nacional? Nossos cineastas jamais conseguiram agradar. Qualquer Exterminador do Futuro tem mais platéia que o mais ambicioso filme brasileiro. Se cineasta nacional não consegue competir com anódinos filmes estrangeiros, que troque de ofício. Que vá filmar cirurgias, quem sabe, batismos, festas de casamento.

Ante a perspectiva do fechamento de sua sala, Corrêa tomou providências corajosas: enviou um projeto de R$ 300 mil ao Fundo Nacional de Cultura, em 2004, para exibir filmes brasileiros de graça. Ocorre que brasileiro não quer ver filme brasileiro nem de graça. O Filho do Brasil que o diga. Os sindicatos receberam bilhetes para distribuição gratuita a seus afiliados e nem assim a biografia do sedizente filho do Brasil emplacou.

Já a safada biografia de Chico Xavier parece estar fazendo carreira. Mais aí as razões são outras que não as cinematográficas. É o apelo místico que sempre vende bem no Terceiro Mundo. Não por acaso, o Brasil e as Filipinas são os países onde o espiritismo melhor engana.

É curioso o conceito de “de graça” do dinâmico empresário. De graça custa 300 mil reais. Como se avalia o borderô de um filme que é exibido de graça? Obviamente, o filme seria previamente pago – com o meu, com o seu, com o nosso – e as únicas pessoas a terem algum lucro com uma sala vazia seriam o exibidor, seus sócios e os produtores. O Minc achou o puchero um tanto gordo e não aprovou o projeto de Corrêa. O valor "era alto em relação às demandas que o Ministério da Cultura recebe". Tradução: faltou Q. I. a Corrêa - quem indica.

Mas parece que o audaz empresário acaba de achar o caminho das pedras. A Secretaria do Audiovisual, do Minc, informou que procurou Corrêa para que ele envie o projeto novamente. Você, contribuinte, ainda não escapou da ventura de sustentar o Tanah Corrêa. O decreto do filho do Brasil, assinado em dezembro passado, que fixa a cota mínima de exibição de filmes brasileiros nas salas de cinema de todo o país - cada sala deverá exibir 28 dias de 2010 de filmes nacionais - pelo jeito foi inócuo.

Mas nem tudo está perdido. O Senado acaba de aprovar mais uma mãozinha ao cinema tupiniquim, o projeto de lei do senador Cristovam Buarque. Se a lei for colocada em prática, as unidades de ensino básico do país terão que separar pelo menos duas horas por mês da grade extracurricular para exibições do cinema nacional.

Se nem assim se conseguir fazer brasileiros consumirem cinema nacional, sempre restam outras providências. Poder-se-ia – por que não? – negar passaporte a quem não comprovasse ter assistido dois filmes nossos por mês nos últimos cinco anos. Ou negar carteira de habilitação. Reter o salário dos funcionários públicos, quem sabe? Se isto já se faz com quem não vota, por que não fazer com quem não vai ao cinema? Ou, melhor ainda, negar aposentadoria a quem não tivesse assistido a pelo menos 360 filmes nacionais em sua vida.

Algo terá de ser feito, gente! Ou o moribundo acaba morrendo.