¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, julho 10, 2010
 
INGRATA INGRID
QUER 5 NOBÉIS DE
SEUS LIBERTADORES



Comentei, há dois anos, as pretensões de Ingrid Betancourt, a deputada seqüestrada pelas FARC e resgatada pelo Exército colombiano em julho de 2008. Por ter permanecido seis anos como refém do narcotráfico, Betancourt se sentiu logo merecedora do prêmio Nobel. Na véspera da premiação, uma sala já havia sido alugada em um luxuoso hotel de Paris, para uma entrevista coletiva com a seqüestrada. Um comitê denominado “Agir avec Ingrid” chegou a preparar um comunicado sobre o significado do troféu a ser conferido à deputada.

Santa ilusão. Deu Martti Ahtisaari, ex-presidente da Finlândia, discreto mediador de conflitos no mundo todo, que incluem o processo de independência da Namíbia, o conflito armado de Aceh, na Indonésia, mais conflitos no Iraque, na Irlanda do Norte, na antiga Iugoslávia, na Ásia Central e no Chifre da África.

Está ocorrendo um fenômeno curioso no mundo contemporâneo. Qualquer vítima se sente, ipso facto, herói. Que teria feito Ingrid merecer o Nobel da Paz? Permaneceu seis anos como prisioneira de terroristas. Ora, que mérito tem isso? Muitos outros permaneceram esse período prisioneiros das FARC – e outros ainda permanecem – e nem por isso se julgam merecedores do Nobel. Ocorre que Ingrid teve convivência com velhos comunossauros como Pablo Neruda e Gabriel Márquez, sem falar que após sua libertação andou tendo colóquios com sumidades como Bento XVI, Nicolas Sarkozy e outros ícones da mídia contemporânea. Logo se sentiu candidata natural ao Nobel.

Como não levou, está agora buscando outras fontes de renda. Decidiu processar o governo colombiano por seu seqüestro. Justo o governo que a libertou do cativeiro. Segundo o Ministério de Defesa, a ex-candidata à presidência do país pediu US$ 6,8 milhões pelos danos sofridos, como o estresse emocional e a perda de renda enquanto esteve no cativeiro, entre 2002 e 2008. Um Nobel significa 1,4 milhão de dólares. Perdido o Nobel dos noruegueses, Ingrid quer nada menos que cinco prêmios Nobel dos colombianos.

Gabriel Devis, o advogado da moça, apressou-se a divulgar um comunicado afirmando que a franco-colombiana não processou ninguém, nem o governo nem as Forças Armadas ou qualquer das pessoas envolvidas em sua libertação. O que Ingrid quer, segundo seu defensor, é uma "reconciliação", procedimento clássico antes de uma reclamação administrativa.

"A conciliação é uma forma de ajudar a refletir sobre mecanismos de proteção fornecida pelo Estado colombiano para os seus cidadãos vítimas do terrorismo", disse Devis ao diário El Tiempo. O advogado ratificou "a profunda e permanente gratidão" de Betancourt "com o governo colombiano, as Forças Armadas e todos aqueles que de uma alguma maneira, corajosamente arriscaram suas vidas para garantir sua libertação e a de seus companheiros cativos".

Ah bom! Não é processo. Mas tentativa de reconciliação. Então tá! Ninguém imagine que Ingrid seria tão ingrata a ponto de processar o Estado que a libertou dos narcotraficantes das FARC. Ela quer modestamente reconciliar-se com seus libertadores. Quer apenas ajudar a refletir sobre mecanismos de proteção fornecida pelo Estado colombiano para os seus cidadãos vítimas do terrorismo. Honni soit qui mal y pense!

Leio em antiga reportagem da Folha de São Paulo que na Colômbia são registrados a cada ano 3.000 seqüestros de civis e militares, nacionais e estrangeiros, adultos e crianças. Nove em cada dez seqüestros são de caráter extorsivo, ou seja, têm o objetivo de conseguir um pagamento em troca dos reféns. Mas as guerrilhas e os grupos paramilitares de extrema direita - inimigos das Farc - também seqüestram por motivos políticos. O alto comando militar afirma que esta indústria abastece a cada ano os diversos grupos ilegais colombianos com mais de US$ 600 milhões.

Bom negócio é aquele que satisfaz ambas as partes. Se satisfeitas as pretensões da candidata ao Nobel, ser seqüestrado pode transformar-se em um belo investimento. Algo parecido ao que aconteceu no Brasil, mutatis mutandis, com os detentores de bolsas-ditadura. Diziam estar lutando pela revolução. Em verdade, estavam garantindo gordas aposentadorias.

Ganham os seqüestradores e ganham os seqüestrados. Só perde o Estado colombiano. Quem mandou combater a guerrilha?