¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, julho 25, 2010
 
KALOCAINA - XII

Karin Boye

Tradução do sueco de Janer Cristaldo



O gabinete de Muili não se encontrava no prédio de nosso laboratório, mas não se precisava subir até a superfície terrestre para chegar até lá: através de um subterrâneo três andares abaixo se chegava diretamente a seu prédio, onde funcionavam os escritórios do laboratório. Depois de mostrarmos a carteira de identidade e de um secretário certificar-se por telefone de que éramos esperados, fomos logo recebidos. Em vinte e cinco minutos estávamos frente a Muili, homem grisalho e muito magro, de feições doentias. Mal nos olhou. Sua voz era baixa, como se quase não pudesse falar e, no entanto, nela não existia entonação alguma que não fosse de ordem. O homem não estava habituado a ouvir ninguém enquanto não se tratasse de respostas a perguntas diretas.

– Cidadãos-soldados Edo Rissen e Leo Kall, os senhores foram chamados a uma outra localidade. Deixem de lado o trabalho de que se ocupam agora. Em uma hora um policial os estará esperando para conduzi-los ao local de partida. Tudo está arranjado quanto a suas dispensas temporárias do serviço policial-militar. Entendido?

– Sim, meu chefe – respondemos eu e Rissen ao mesmo tempo.

Voltamos em silêncio ao laboratório para nos preparamos, tomar banho e vestir o uniforme de lazer. Tínhamos prontas nossas sacolas de viagem e mais uma caixa com a kalocaína e aparelhos, como Karrek ordenara. Na hora fixada fomos apanhados por dois policiais taciturnos e conduzidos por metrô até a localidade determinada.

Minha admiração por Karrek aumentava sempre. Tudo marchava perfeitamente. Nem um dia havia ainda transcorrido após sua partida e ele já obtivera o que queria. O homem era uma potência, e não apenas na Cidade Química n° 4, ao que tudo indicava.

Ao sairmos do metrô, vimos que nosso objetivo era um hangar. Um delirante desejo de aventura percorreu-me os membros. Até onde iríamos? Até a capital? Eu, que jamais saíra da Cidade Química n° 4, fui tomado por uma selvagem excitação.

Com uma multidão de outros passageiros entramos no bem iluminado avião. Os policiais fecharam e lacraram a porta, e pelo ruído dos motores soubemos que estávamos ganhando altura. Apanhei em minha sacola o último número da Revista Química, Rissen fez o mesmo, mas observei que tanto ele como eu nos recostávamos e deixávamos o pensamento girar em torno de outras coisas que não os artigos e comunicações da revista. Eu pelo menos tentava dominar minha curiosidade tão logo esta me comichava. Naturalmente eu já vira em filmes campos dourados, verdes pradarias, ovelhas e vacas pastando, vistas aéreas inclusive, de forma que não tinha grandes razões para estar curioso e, no entanto, tinha de lutar contra um desejo ridículo e infantil de que o avião tivesse pelo menos uma pequena fresta através da qual se pudesse olhar em segredo – não que eu pretendesse fazer espionagem, mas por pura e infantil curiosidade. Mas ao mesmo tempo eu sabia ser isto uma perigosa tendência. Seguramente não teria ido tão longe no campo científico se uma certa curiosidade não me conduzisse aos segredos da matéria – por outro lado, era um impulso para o bem e para o mal e podia arrastar-me ao perigo e ao crime. Eu me perguntava se Rissen tinha de lutar contra as mesmas inclinações e desejos – se é que ele ainda lutava! Não era exatamente uma pessoa que luta, com toda aquela falta de disciplina. Eu o via sentado ali, sem bandeira ou escrúpulos, desejando que o avião fosse inteiramente de vidro... Uma imagem muito justa, pensei, pois assim era o homem. Pudesse eu utilizar a kalocaína para satisfação pessoal...

Cochilava quando senti um ligeiro toque em meu braço. O condutor servia-me a janta – e isto era significativo. Olhei meu relógio: já havíamos viajado cinco horas e faltava um outro tanto até o destino, pois não podíamos esperar até a chegada para jantar. Eu calculara certo: tínhamos ainda três horas. Se se soubesse não apenas o tempo, como também a velocidade do avião, podia-se facilmente calcular a distância entre a Cidade Química n° 4 e o lugar onde éramos conduzidos. Felizmente a velocidade do avião era mantida em sigilo absoluto, de forma que espião algum poderia chegar a conclusões geográficas. A única coisa que se podia perceber era que a velocidade era muito alta e a distância, portanto, enorme. Naturalmente nem podíamos imaginar a direção; o fato de sentir-se uma temperatura baixa, fria inclusive segundo os conceitos da Cidade Química n° 4, nada significava senão que estávamos muito alto.

Quando finalmente baixamos e o motor parou, as portas foram descerradas por uma pequena tropa policial, que logo se dividiu e tomou conta dos diversos passageiros. (Provavelmente todos estavam ali em importantes missões, esperados e anunciados, talvez até mesmo chamados como nós). Rissen e eu fomos conduzidos no metrô policial-militar, e nosso vagão, com uma incrível velocidade, projetou-se até uma estação denominada Palácio da Polícia. Descobrimos que estávamos na capital. Por uma porta subterrânea fomos conduzidos até uma ante-sala, onde fomos revistados e nossa bagagem revisada, e depois levados a uma espécie de cabine simples, porém bastante prática, onde devíamos dormir.