¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV
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sexta-feira, julho 30, 2010
KALOCAINA - XVII Karin Boye Tradução do sueco de Janer Cristaldo A discussão começou. Alguém indicou a importância de se apresentarem heróis jovens em vários filmes para cativar a juventude. Não que fosse desejável contar-se com cobaias mais jovens. A estatística mostrava que uma cobaia suportava em média um determinado número de anos, independentemente da idade em que começara a ser utilizada, e podia-se inclusive afirmar ser indiscutivelmente mais vantajoso que o Estado primeiro o utilizasse durante alguns anos em outra profissão e depois (durante esse número estatístico de anos) no Serviço Voluntário, em vez de utilizá-lo apenas durante estes últimos anos. Mas uma razão pesava mais: os jovens eram mais facilmente influenciáveis. O casamento e o dia-a-dia tomado pelo trabalho influenciavam desfavoravelmente o número de inscrições. Evidentemente, existiam em todos os grupos e faixas etárias pessoas solitárias, que perambulavam famintas de algo, embora não soubessem precisamente de quê. Quando a assim chamada felicidade e a assim chamada vida as decepcionavam, estavam prontas para uma busca no sentido oposto, pois talvez então tivessem melhor sorte. Tais seres não deviam ser esquecidos. Mas a idade juvenil – antes de mais nada uma faixa etária cuidadosamente escolhida – era a idade da solidão e das decepções por excelência – ou talvez apenas a temerária idade da solidão e das decepções? – e consequentemente devia ser a idade mais visada pela campanha. Um outro sublinhou as palavras do último orador e acrescentou que a idade jovem tinha mais vantagem em relação à madura: como tais volumes de inscrições afluíam dos acampamentos juvenis após cada campanha cuidadosamente preparada, tinha-se condições de fazer uma triagem. Não havia sentido algum em aceitar todo e qualquer inscrito. Muitos tinham tais dotes que o Estado tiraria o melhor proveito de seus cérebros que de seus tecidos e órgãos. Disto concluía-se que a idade mínima não deveria ser muito baixa. Antes dos quinze ou dezesseis anos era geralmente arriscado julgar-se suas possibilidades genéricas e especiais de utilização. O orador seguinte apresentou objeções contra este último e afirmou que, já desde os oito anos, podia-se distinguir alguma capacidade especial que merecesse ser cultivada ou não, e que muito bem se podia baixar a idade mínima de inscrição para oito anos, e por que não, inclusive rodar alguns filmes especialmente elaborados para influenciar crianças nessa idade? Contra este objetou um outro que, por um lado, conheciam-se muitos exemplos de capacidades de grande proveito que não se manifestavam senão em idades posteriores; por outro lado, um tal apelo em relação à idade infantil não teria significação suficiente para justificar os custos de produções extras. Algo seria evidentemente economizado, uma vez que as crianças eventualmente inscritas não necessitariam de instrução especial, mas por outro lado, as tendências heróicas desta espécie não se manifestavam seriamente antes da puberdade. Um outro afirmou a importância de não lançar filmes com intervalos por demais longos. Em verdade, não se necessitava exercer grande pressão para provocar estas inscrições. Um certo impacto era suficiente para produzir uma influência tão forte quanto violenta e significativamente menos perigosa a longo prazo. De preferência, forçar uma rápida decisão: agora ou nunca – tome-se a decisão em determinado tempo ou será tarde demais para decidir! A angústia que geralmente surge em definidas situações críticas da vida se intensifica diante da rápida opção e conduz à direção certa, se a propaganda foi bem dirigida. Alguém agradeceu pelo último ponto de vista e acentuou que esta angústia que, por vezes, se intensifica em cada cidadão-soldado podia tornar-se uma riqueza incalculável para o Estado, desde que manipulada por psicólogos experientes. Ao ser usada, por assim dizer, como estímulo para uma decisão, não se constatou mal algum que a decisão fosse tomada um tanto precipitadamente. Esta decisão aumentava a sensação de alívio e alegria extasiante dos primeiros inscritos e conduzia novos a se inscreverem em maior quantidade ainda. Inscrições irrevogáveis ultrapassavam o objetivo que se pretendia; o orador julgava inclusive serem excessivos os dez anos obrigatórios. Alcançava-se o mesmo efeito com menores dificuldades, estabelecendo-se a validade da inscrição por cinco anos. Após este período, a cobaia quase não tinha mais juventude, força e possibilidades de seguir um novo rumo. Com uma propaganda bem elaborada podia-se evitar toda violência e consequentemente toda oposição. Lembre-se de que eu estava doente. De outra forma não se explica que tenha me levantado e pedido a palavra. N° 135 não havia estranhamente cessado de assombrar meus pensamentos. Enquanto o tinha em mãos, fiz tudo para humilhá-lo, mas agora pareceu-me que devia defendê-lo. – Quero fazer uma observação ao modo como os senhores tratam nossos cidadãos-soldados como mecanismos – disse eu lentamente, tateante. – Isto me parece ser uma falta de consideração... De respeito... Faltou-me a voz, senti que a cabeça girava a ponto de não poder enunciar perfeitamente as palavras. – De forma alguma! – gritou um dos oradores anteriores, ríspida e impacientemente. – Que insinuações são essas? Ninguém valoriza mais do que eu o tipo heróico. Como não iria saber o quão necessários são para o Estado – eu, que dediquei longos anos de minha vida a estudar exatamente esse tipo e suas condições! O senhor acha que talvez eu tenha feito isso por julgá-los inúteis? E o senhor ainda fala em falta de consideração! – Bem, bem – respondi confuso –, consideração pelo resultado... Mas... Mas... – Mas o quê? – perguntou meu oponente quando silenciei. – Para o que não tenho consideração? – Nada – respondi abatido e sentei-me. – O senhor tem razão. Enganei-me e peço desculpas. Constatei, suando frio, que havia me contido no momento exato. Que pretendia eu dizer? “Vocês não têm consideração para com o n° 135?” Belos pontos de vista! Tendências individualistas escondidas sob a superfície. Senti medo de mim mesmo. Não, não de mim mesmo! Não era eu, este que eu repudiava e lutava contra. Não era eu. Era Rissen. Durante um longo momento nada ouvi do que acontecia em torno de mim, tão nervoso estava pelo perigo que evitara. Quando finalmente consegui concentrar-me, Djin Kakumita estava na tribuna. Falava já há algum tempo, pelo que pude perceber. – Este por assim dizer tipo heróico passivo torna-se cada vez mais solicitado pelo Estado nos dias que correm. São imprescindíveis não apenas no Serviço de Cobaias, mas também como recrutas, reprodutoras e fornecedoras de crianças para o Estado e em milhares de outros pontos. Especialmente aguda se torna esta necessidade nos tempos de guerra, quando cada cidadão-soldado deve integrar este grupo. Por outro lado, é claro para qualquer um, não ser desejável que ocupem posições de liderança, onde se exige olhar frio e objetivo, rápido espírito de iniciativa e energia sem escrúpulos. Podemos então situar assim o problema: como se pode, em caso de necessidade, aumentar a presença deste mais nobre de todos os tipos, desta alma solitária e desesperada de herói, decepcionada com a vida e inclinada para o sofrimento e a morte?... Eu me sentia muito mal e decidi deixar a sala. Como era estranho ao meio e não pertencia a nenhum dos grupos de trabalho, isto a rigor não tinha importância alguma. Com passos lentos e silenciosos, tentando atrapalhar o menos possível, cheguei furtivamente até a porta, onde mostrei ao vigia meus papéis e expliquei, sussurrando, meu estado. Em meio às explicações fui interrompido por um homem alto e moreno, em uniforme policial-militar com patente bastante alta. Vinha de fora e queria entrar na sala nestas horas já tardias da noite. Mostrou um papel ao vigia, que não só lhe permitia a passagem como também o conduziu imediatamente até a sala, de forma que pudesse passar sem problemas para o corredor. Lá dentro ouviu-se uma voz baixa e firme, embora eu não pudesse ouvir o que dizia, e, ao calar-se um murmúrio cresceu no auditório. O vigia voltou ao seu posto, e não pude deixar de perguntar do que se tratava. – Ssssst – sussurrou, olhando em volta. – Já que o senhor participa da reunião, cidadão-soldado, posso contar-lhe. A produção de filmes publicitários para o Serviço Voluntário de Cobaias foi suspensa. Todas as forças são necessárias em outro ponto. O senhor compreende o que isto significa, e eu também compreendo, mas nenhum de nós tem o direito de compreendê-lo em voz alta... Expressar-se assim já era compreender em voz alta, mas não me preocupei em censurá-lo, senão tratei de tomar logo o elevador, cansado como estava. Mas ele tinha razão. Eu entendera muito bem o que a interrupção significava. O Estado Mundial estava à sombra de uma nova guerra. |
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