¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, julho 03, 2010
 
LAICISMO NA ESPANHA
É TIRO PELA CULATRA



Leio no Estadão que um movimento italiano propôs a organização de um referendo para que a população escolha se quer ou não que crucifixos sejam exibidos nas salas de aula das escolas públicas do país. A proposta, do Movimento Ético para a Defesa Internacional do Crucifixo, é uma reação à decisão da Corte Européia de proibir a presença de símbolos religiosos nas instituições públicas de ensino da Itália, tomada em novembro do ano passado.

Parodiando o alemão aquele, o fantasma do crucifixo ronda a Europa. No final do mês passado, o governo italiano entrou com um recurso no Tribunal Europeu de Direitos Humanos em Estrasburgo, na França, para que a proibição da colocação de crucifixos em salas de aula do país seja suspensa. A ação foi apresentada em conjunto com dez outros países europeus - Armênia, Bulgária, Chipre, Grécia, Lituânia, Malta, Mônaco, San Marino, Romênia e Rússia. Eles argumentam que o crucifixo é associado às suas identidades nacionais e não é apenas um símbolo religioso. Se o governo perder o recurso no Tribunal Europeu, é possível que todos os símbolos religiosos exibidos em salas de aula na União Européia acabem sendo proibidos.

O debate grassa na Europa católica, obviamente. Na Europa luterana ou protestante, poucos cidadãos se importam com isso. Na Espanha, a discussão em torno ao crucifixo está associada à luta pela laicidad do Estado. A palavrinha, que sequer existe nos dicionários espanhóis (existe apenas laicismo), está aparentemente conturbando as relações entre a Igreja de Roma e o Estado. E digo aparentemente porque as discussões em torno ao crucifixo são cortina de fumaça. Que em nada afetam a relação simbiótica entre a Igreja de Roma e o Estado espanhol.

Leio no El País que a reforma da legislação sobre liberdade religiosa proibirá a presença de símbolos religiosos – como o crucifixo – em edifícios públicos e buscará uma fórmula para que os chamados funerais de Estado sejam civis, sem cerimônias religiosas. Até aí, tudo bem. Por que razões um muçulmano ou um sikh ou um ateu tem de reverenciar o deus cristão? Sem falar que aquele Cristo peladão, pregado a um instrumento de tortura, é um atentado ao bom gosto.

A separação entre clero e laicato, que foi um dos mais poderosos fatores de progresso da Europa, data do século XI. Curiosamente, não foi iniciativa de leigos, mas obra do papa Gregório VII. A chamada reforma gregoriana visava subtrair a Igreja à dominação dos leigos e, principalmente subtrair o papado romano das pretensões do imperador germânico. Ocorre que, dez séculos depois, o Estado continua atrelado à Igreja.

A Espanha é um caso emblemático. Quer proibir o crucifixo, mas financia a Igreja de Roma com a bagatela de ... seis bilhões de euros anuais. Desta cifra – segundo o El País – três bilhões se destinam ao financiamento dos colégios religiosos, mas também são pagos com dinheiro público os salários de bispos e sacerdotes. Mais o salário de um milhar de capelães castrenses, de hospitais e cárceres e inclusive grande parte do patrimônio histórico e artístico da Igreja católica, a segunda proprietária imobiliária depois do Estado.

O crucifixo até pode sair das repartições públicas. Mas o contribuinte espanhol continuará sustentando, com bilhões de euros, os parasitas do Vaticano. Cada um dos 44 milhões de espanhóis marcha com 5,6 euros por ano para o bem-estar da hierarquia papista.

Ou seja, a discussão em torno ao cadáver do judeu aquele é café pequeno diante do que a Espanha paga ao clero. Pior ainda: em nome da reforma da legislação sobre liberdade religiosa, o Estado espanhol se sente obrigado a também financiar as demais confissões religiosas predominantes.

O tiro saiu pela culatra. O cidadão espanhol que antes financiava só uma categoria de vigaristas, terá agora de financiar mais quatro ou cinco.