¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

sábado, agosto 14, 2010
 
PAVÕES SÃO LEGIÃO


De Crato, Ceará, recebo:

Caro Cristaldo,

Lendo teu último artigo, sobre os "melhores" escritores do Sul, lembrei-me de empresas (geralmente da área de eventos) que chegam para nós, advogados, e nos afirmam que fomos escolhidos, "numa votação", os "melhores" advogados da região...

Mas só se pagarmos, claro. Como nunca pago por tal "escolha", fico de fora dos prêmios e deixo de ostentar em meu escritório o "diploma". Mas vários advogados caem, felizes, nesse conto-do-vigário...

Sds.,

Daniel Freixieiro Sampaio


Meu caro Daniel:

explorar vaidades é uma das maneiras mais práticas de ganhar dinheiro sem trabalhar e sem infringir a lei. Acariciar egos jamais constituiu crime. Vanitas vanitatis! vanitas vanitatis et omnia est vanitas! – já diz o Koelet. Há gente que paga caro para ser considerado escritor. No Rio Grande do Sul, até que está barato, 45 reais. Vício da era do papel, quando ter um livro publicado dava status. Os tempos mudaram e os “escritores” ainda não se deram conta.

Houve época em que ser escritor dependia do beneplácito de um editor. Havia dois tipos de editores: aquele que bancava seu livro e o comercializava, e um outro que cobrava para editá-lo e distribuir seu livro. O primeiro exercia seu poder de censura e inclusive dava palpites na redação do livro. O segundo era liberal: pagou? Publique o que quiser. Escritores ilustres já recorreram a este segundo editor. Jorge Luís Borges foi um deles. Seu primeiro livro de poemas teve edição paga pelo autor.

Estes dois editores, por incrível que pareça, ainda coexistem. Só não entenderam isto os neoluditas que não descobriram os ebooks. Hoje, qualquer um pode ser escritor. Ou editor, como quiser. Basta digitar seu livro e jogá-lo na rede. Fica à disposição de quem quiser lê-lo e à distância de um ou dois cliques do leitor. Você pode cobrar por sua leitura ou não. A condição de escritor dessacralizou-se e os obsoletos ainda não entenderam este fato novo. Precisam do livro-papel para sentirem que são escritores. E por isso se dispõem a pagar caro.

Verdade que a crítica, talvez em função do vil metal, continua atrelada ao livro-papel. Até hoje não vi resenha alguma sobre um ebook. É como se o livro eletrônico não existisse.

Advogados, em princípio, são pavões. Sou da época em que todo rábula adorava exibir um anel no dedo. Quando me formei em Direito, recebi de um tio um destes anéis. Só me serviu para botá-lo no prego, nos dias de mais premência. Advogados adoram ser chamados de doutor. Certa vez, quando tive de enfrentar um julgamento, os títulos voavam sobre minha cabeça, era doutor pra cá, doutor pra lá, quando não Meritíssimo. (Juiz, pelo que observei, considera desacato ser chamado de Dr. Exige o Meritíssimo). Eu, o único que tinha doutorado naquela audiência, era apenas o “indigitado réu”.

Em suma, os pavões são legião. E extremamente sensíveis a qualquer carícia. Vigaristas é o que não falta para afagá-los.