¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, agosto 22, 2010
 
VIGARISTAS PRECURSORES


Leitor me pergunta que tenho contra Paulo Coelho. Contra o homem, nada. Muito menos contra o escritor. Se ganha milhões com seus livrinhos que mesclam misticismo com auto-ajuda, que deles faça bom proveito. Mas não serei eu quem os lerá. Até já tentei. Quando foi lançado O Diário de um Mago, dei uma olhadela no livro, tudo o que diz respeito à Espanha me interessa. Não consegui ler nem cinco páginas. Não diz nada sobre Santiago. Com um verbete do Guide Michelin estaria melhor servido. Também tentei lê-lo na meia página que assinava no Globo. Nunca conseguir ir além da metade da meia página.

Coelho persegue um filão que muito dinheiro trouxe aos escritores que o exploraram, entre eles Carlos Castañeda e Lobsang Rampa. Castañeda, de origem brasileira, por muito tempo passou por escritor peruano. Em A Erva do Diabo, narra suas experiências com um índio do deserto de Sonora no México, Don Juan. O livro, lançado em 1968, foi adotado por hippies e movimentos da contracultura e se tornou best-seller do dia para a noite. Na época, vendeu como pão quente. Hoje, as novas gerações já nem sabem quem foi Castañeda.

Cinco anos depois, a revista norte-americana Time publicou uma matéria de capa, cujo objetivo era retratar o autor como mentiroso. A reportagem alegava que Castañeda era peruano, nascido na andina cidade de Cajamarca, cuja origem remontaria ao império inca. Mais tarde, o próprio Castaneda declarou que teria nascido acidentalmente no Brasil, em 1935, no extinto município de Juqueri, hoje Mairiporã, aqui ao lado de São Paulo. Foi o precursor tupiniquim de Paulo Coelho.

Antes de Castañeda, um outro vigarista havia percorrido a mesma senda. Foi Lobsang Rampa que, em A Terceira Visão (1956), pretendia ter nascido no Tibete, onde teve experiências místicas e teria desenvolvido dons paranormais através de sua iniciação religiosa, aos 7 anos de idade, até sua partida de Lhasa, em 1927. Na capital tibetana, teria recebido treinamento para se tornar sacerdote-cirurgião, sob as bençãos do 13º Dalai Lama, o antecessor de Tenzin Gyatso, o 14º Oceano de Sabedoria. Ainda jovem, teria sofrido uma operação para a abertura do seu "terceiro olho", que lhe deu poderes de clarividência.

A farsa não durou muito. Logo descobriu-se que Rampa era Cyril Henry Hoskins, um pesquisador das ciências ocultas nascido em Devon, na Inglaterra e que jamais estivera no Tibete. Mas aí Rampa já estava traduzido em dezenas de idiomas e vendera milhões de exemplares. Em outro livro, Minha Visita a Vênus (1957), narrou sua abdução a um outro planeta. Parece que na época alguém ainda acreditava ser a vida possível em Vênus. Mesmo assim, o livro foi editado pela primeira vez editado no Brasil no ano passado.

Paulo Coelho nada tem de original, está apenas requentando misticismo e auto-ajuda que muito já renderam a quem se aventurou pelo filão. Nada contra. Cada um ganha sua vida como melhor lhe convier. Por outro lado, explorar a credulidade pública geralmente não é visto como crime. Ou não existiriam as religiões.

Eu até via uma escassa virtude em Coelho: ele vendia seu peixe sem investir no mercado cativo do livro paradidático. Afinal, com os cheques milionários que recebe, pode muito bem dispensar esta clientela. Agora, talvez por decisão pessoal, talvez por decisão editorial, resolveu enfiar a mão no bolso dos jovens. O “mago” está se revelando vigarista. Como aliás todo escritor que se impõe nos currículos escolares, graças a suas amizades com os donos da cultura. Porque ninguém participa deste mercado por méritos literários. E eles são legião.

Mas, como me dizia um outro leitor, talvez seja difícil adotá-lo como padrão. Nossa juventude não está preparada para tamanha profundidade.