¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, outubro 30, 2010
 
CONSELHO CENSURA LOBATO (I)


Leio na Folha de São Paulo que um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), publicado no Diário Oficial da União, sugere que o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, não seja distribuído a escolas públicas, ou que isso seja feito com um alerta, sob a alegação de que é racista. Para entrar em vigor, o parecer precisa ser homologado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad. O texto será analisado pelo ministro e pela Secretaria de Educação Básica.

Conforme o parecer do CNE, o racismo estaria na abordagem da personagem Tia Nastácia e de animais como o urubu e o macaco. "Estes fazem menção revestida de estereotipia ao negro e ao universo africano", diz a conselheira que redigiu o documento, Nilma Lino Gomes, professora da UFMG. Entre os trechos que justificariam a conclusão, o texto cita alguns em que Tia Nastácia é chamada de "negra". Outra diz: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão". Em relação aos animais, um exemplo mencionado é: "Não é à toa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens".

Para começar, digam o que quiserem os arautos do movimento negro, não vejo porque não chamar negro de negro. Não há nenhum desprestígio nisso, como tampouco há em chamar um branco de branco ou um árabe de árabe. Dona Nilma está exagerando. Foi possuída pela histeria dos movimentos negros.

A autora do documento sugere ao governo duas opções: 1) não selecionar para o PNBE obras que descumpram o preceito de "ausência de preconceitos e estereótipos"; 2) caso a obra seja adotada, tenha nota "sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos raciais na literatura".

A moça, ao que tudo indica, desconhece a obra de Lobato. Se lesse O Presidente Negro, queimaria em efígie o escritor taubateano.

Para Miss Jane, personagem americana de Lobato, a América seria a privilegiada zona que havia atraído os elementos mais eugênicos das melhores raças européias. O Mayflower trouxera homens de uma têmpera superior que não hesitaram um segundo “entre abjurar das convicções e emigrar para o deserto”. As leis de imigração se tornam seletivas e as massas que procuravam a América, já em si boas, são peneiradas. A Europa é drenada de seus melhores elementos e no novo mundo resta a flor dos imigrantes. Ocorre então o que Miss Jane chama de “o erro inicial”: entra no país, à força, o negro arrancado da África. O Sr. Ayrton observa que o mesmo erro foi cometido no Brasil, mas nossa solução foi admirável: em cem ou duzentos anos teria desaparecido o nosso negro em virtude de cruzamentos sucessivos com o branco.

Miss Jane não julga admirável tal solução, mas medíocre, pois estraga as duas raças ao fundi-las. Prefere que ambas se desenvolva m paralelas dentro do mesmo território, separadas por uma barreira de ódio, a mais profunda das profilaxias. Para ela, o ódio impede mantém as raças em estado de relativa pureza.

– Não há mal nem bem no jogo das forças cósmicas. O ódio desabrocha tantas maravilhas quanto o amor. O amor matou no Brasil a possibilidade de uma suprema expressão biológica. O ódio criou na América a glória do eugenismo humano...

Os exemplares mais belos, fortes e inteligentes eram descobertos onde quer que se encontrassem e atraídos para a Canaã americana. Estando o país bastante povoado, fecha-se as portas ao fluxo europeu e a nação passa a crescer apenas vegetativamente. É quando surge a inflação do pigmento. As elites pensantes haviam-se convencido que a restrição da natalidade se impunha, pois qualidade vale mais que quantidade. Rompe-se então o equilíbrio: “Os brancos entraram a primar em qualidade, enquanto os negros persistiam em avultar em quantidade. Mais tarde, quando a eugenia venceu em toda a linha e se criou o Ministério da Seleção Artificial, o surto negro já era imenso”.

Urge desembaraçar-se dos negros. A solução branca é simples: exportar, despejar os cem milhões de negros americanos no Vale do Amazonas. O que não era fácil “não só em virtude de tremendas dificuldades materiais como por ferir de face a Constituição Americana”.

Para Miss Jane, os negros se batiam por uma solução muito mais viável: queriam a divisão do país em dois, o sul para os negros e o norte para os brancos, já que a América surgira do esforço conjunto de ambas as raças.

Se não era possível gozar juntas da obra feita em comum, o razoável seria dividir o território em dois pedaços. Temos então, já no início deste século, um escritor brasileiro antecipando as propostas de líderes negros contemporâneos como Farrakhan. É bom lembrar que nessa época Lobato ainda não havia viajado para os Estados Unidos.
Os brancos nada queriam ceder de seu status quo e o problema tornava-se ameaçador. É quando surge um candidato capaz de unir o eleitorado negro: Jim Roy, de tez levemente acobreada, parecendo um mestiço de senegalês e pele -vermelha. A cor de sua pele em nada lembrava os negros de hoje (isto é, 1926).

Na época, a ciência havia resolvido o caso de cor pela destruição do pigmento. Jim Roy, negro de raça puríssima e cabelo carapinha, era “horrivelmente esbranquiçado”. O espírito visionário de Lobato antecipa, en passant, a tendência negra americana que gerou um Michael Jackson, por exemplo. Inaugurando, já no início do século, a atual categoria do “politicamente incorreto”, diz o estupefato sr. Ayrton:

– Barata descascada, sei...

No entanto, nem os recursos da ciência faziam os negros deixarem de ser negros na América. Os brancos não lhes perdoavam aquela camuflagem da despigmentação. Jim Roy, líder do partido Associação Negra, não chega a ser uma ameaça para o poder. Representa cem milhões de negros, contra 200 milhões de brancos. Ocorre que entre os brancos surge uma séria dissidência, um partido de mulheres. Os velhos partidos Democrático e Republicano haviam-se fundido num forte bloco sob a denominação de Partido Masculino, liderado por Kerlog, presidente em exercício e candidato à reeleição.