¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, outubro 22, 2010
 
DICHOSOS TIEMPOS LOS NUESTROS


Comprei meu primeiro PC em 1990. Há duas décadas, portanto. Custou-me 4 mil dólares e tinha um disco rígido de ridículos 40 MBs. Atenção, eu disse megabytes. Era um dos maiores HDs encontráveis na época. Monitor de fósforo verde. E quando disse dólares, quis dizer dólares. Meu assessor de assuntos além-fronteiras não aceitava moeda nossa. Encomendei-o do Paraguai. Na época, os computadores nacionais eram ainda bem mais caros. Além disso, para comprar uma máquina, você tinha de preencher um cadastro quilométrico. Só faltava fornecer atestado de boa conduta. Em Assunción, burocracia nenhuma. Telefonei, encomendei o PC, dei meu endereço e o recebi em casa, dois dias depois. O entregador pegou meus dólares e se foi. A operação durou segundos.

Eram os tempos do DOS. Comprei um manual, fotocopiei uma longa tira de páginas com os comandos e colei-a na parede, ao lado do rack. Não havia memória que guardasse aquilo tudo. Na época, eu não sabia muito bem para que servia um computador. Queria apenas uma máquina de escrever mais sofisticada. Não havia Internet então. Apenas o Bulletin Board System (BBS), se alguém ainda lembra o que é isso. Certa madrugada, me emocionei ao encontrar na precária rede o Jayme Copstein, antigo colega da Caldas Júnior. O mundo era pequeno.

Bem entendido, não tínhamos na época a transmissão de arquivos de imagens ou sons. Era só texto, e olhe lá. Hoje, olhando vinte anos para trás, me parece estar contemplando a pré-história. Naquele ano, quando ainda vivia o marasmo de Curitiba, fui chamado para trabalhar na Folha de São Paulo. Mas ainda não dominava nenhum processador de texto, recém havia comprado o computador. Na redação, me disseram que esperasse pela Tonha, ela iria me iniciar na coisa. Mas a Tonha estava de férias. Fiquei sentado na redação, olhando com cara de besta para a tela do monitor.

Não agüentei. Pedi socorro a um colega. Sabes ligar o computador? - me perguntou. Bom, isso eu sabia. Conheces datilografia? Conhecia. Então vai digitando o texto, que depois te explico os comandos. Não havia Word na época. A formatação de títulos exigia extensos códigos que só os iniciados da redação possuíam. Bom redator era quem tinha uma agenda com todos os códigos. Um dos redatores, o Davi Cohen, judeu e carioca, era o virtuose do teclado. Digitava em ritmo de samba.

A duras penas, dominei o ofício. Foi quando surgiu o Windows e o Word. Nossa, foi um colírio para todos. O software da Folha era americano e a simples feitura de um trema exigia um código de oito ou dez caracteres. Por estas razões, a Folha eliminou o trema de seus textos. A redação se tornou muito mais rápida. Aquele código atrapalhava demais na hora do fechamento.

Com o Windows, o universo da informática deslanchou. Algo como a descoberta da escrita. Depois surgiram os sites de relacionamento. Se nos dias dos BBSs eu me surpreendera encontrando um amigo, hoje encontrar pessoas que não vejo há trinta ou mais anos faz parte da rotina. Meus computadores foram se sucedendo, HDs cada vez maiores, velocidade de processamento também maior, monitores mais sofisticados e, o mais importante, preços mais baratos.

Surgiram depois os notebooks e, agora, os netbooks. O que provoca erros de avaliação. Pensando em algo portátil, andei comprando um notebook, do Itautec. Portátil umas ovas. Com pilhas, deve pesar um três quilos. Optei então por um diminuto netbook da Sony, o Vaio. Portatilíssimo, mas teclado muito apertado. Serve para navegar, mas é hostil à escritura. Para viajar, e para caso de pane do PC, assinei um 3G. Interessante, mas tem um defeito. Não funciona no Exterior.

Dia 12 passado, meu PC emperrou. Também, pudera, tinha seis ou sete anos. Hoje vou dar-me um presente, pensei, em homenagem ao Día de la Raza. Há horas eu vinha paquerando um Mac, daqueles compactos, sem CPU, monitor 27”, um terabyte de memória. Só não me agradava trocar de sistema operacional. Mas poderia particionar o disco e instalar o Windows. Fui ao shopping cá do bairro, para uma primeira abordagem. Lá estavam os Macs, imponentes, mas a preço a meu ver um tanto salgado, em torno aos cinco e seis mil reais. Em todo caso, era mais ou menos o que eu pagara, vinte anos atrás, por uma carroça com monitor de fósforo e 40 megas de memória.

Não queria migrar para o Mac OS, dizia. Um pouco por preguiça intelectual. Outro, porque o Windows me satisfaz plenamente. Perguntei ao vendedor se não existiria um PC naquele formato compacto, com Windows. Para minha surpresa, existia. Parece que é máquina recente, terá coisa de um ano de idade. Fui apresentado a um HP All-in-One, monitor 21,5”, charmoso e com 750 gigas de memória. Caiu-me o queixo com o preço. Apenas 2.225 reais. Amor à primeira vista. Eu, que imaginava uma longa peregrinação até chegar a meu objeto de desejo, saí da Fast de computador em punho. É o computador mais barato que já comprei e ao mesmo tempo o mais poderoso. O PC que eu tinha em casa veio com um HD de 40 gigas e custou-me 3.111 reais. Em 2003.

O melhor de tudo foi dar adeus à CPU. Aquele emaranhado de fios quase me provocava uma eclâmpsia. A cada vez que precisava desconectar e reconectar o computador, começava a suar frio, juro. Sem falar da poeira que a ventoinha absorve. Da última vez que abri a CPU, cheguei a ficar assustado com a maçaroca densa formada pela poeira. Era um punhado de algo parecido a penugem, que me encheu as duas mãos. CPU já era. Suponho que em dois ou três anos serão peças de museu.

Dichosa edad y dichosos tiempos aquellos, dizia Alonso Quijana. Dichosa edad y dichosos tiempos los nuestros, digo yo. Estou feliz com a nova máquina. Mas quem ficou feliz mesmo foi minha assessora de assuntos domésticos. Perguntei à Cristina: teu filho já tem computador? Ainda não – me respondeu. Quem disse que não tem? Ela me olhou perplexa, desconfiando do que ouvia mas ainda não acreditando no que ouvia.

É teu – disse – apontando o antigo PC -. É antigo mas funciona bem. Ela teve de controlar-se para não chorar. Abraçou-me, pediu-me desculpas pela efusão. Mas algo vou te cobrar – alertei. Se eu puder pagar aos poucos... – murmurou.

Nada disso, Cristina. Não se trata de dinheiro. Daqui a um mês, vais sentar em minha mesa. Quero te ver navegando.