¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, outubro 17, 2010
 
ÍNDICE BIG MAC
INCITA A VIAJAR



Quem me acompanha, sabe que abomino os McDonalds da vida. Para começar, sanduíche é algo que se come rápido e meus almoços geralmente duram duas horas. É meu momento de ler ou confraternizar. Continuando, McDonald não é lugar para se beber. Pelo que me contam, neles não se serve vinho. Então não me serve. De modo geral, não me relaciono com clientes de Mcs. Se observo meus amigos e amigas, são pessoas que freqüentam bares e restaurantes onde se pode beber e comer sem pressa.

Mas tenho de confessar um pecado: certa vez entrei em um desses estábulos, onde as pessoas parecem estar comendo em bornais. Era São Paulo e chovia, como diria o Eça. Estava na Paulista, abriguei-me sob a marquise de um desses antros de abominação. As águas foram subindo. Minha única opção para não encharcar os sapatos era entrar. Entrei. Acabei comendo um sanduichinho. Não era mau, devo admitir.

O que me desagrada é o ambiente. Já cortei inclusive relações em função dessas casas. Nos dias de Florianópolis, uma colega de magistério viajou para a Espanha. Passei-lhe os melhores endereços gastronômicos de Madri e Barcelona. Melhores não só pela bona-xira, mas também pelo ambiente, pelos séculos de existência. Quando ela voltou, perguntei-lhe o que havia achado daqueles restaurantes que adoro.
- Não sei. Só comi em McDonalds.

Ir à Espanha, país de uma culinária soberba, e só comer nos Mcs? Isso é gente que envergonha a raça humana. Exclui a moça de minhas relações. No fundo, até que a entendo. É pessoa que tem medo de enfrentar um cardápio em outra língua. Medo da aventura, do desconhecido. Nos Mcs, ela sabe precisamente o que vai comer. Os Big Macs são sempre iguais em todo mundo. Mas não me agrada conviver com covardes.

Em virtude dessa massificação do sanduíche, a revista britânica Economist estabeleceu o índice Big Mac para avaliar a paridade de compra de moedas em diversos países do mundo. Em sua edição mais recente, concluiu que a desvalorização do yuan barateou o custo do Big Mac na China, enquanto o real forte causou o efeito contrário no Brasil: encareceu o sanduíche. O preço brasileiro é o segundo mais caro em uma lista de 15 países selecionados pela revista: equivale a US$ 5,26, só perdendo para a Suíça.

Para efeitos de comparação, o Big Mac custa US$ 3,71 nos EUA e em média US$ 4,79 nos países da zona do euro. Na China, custa apenas US$ 2,18. Segundo a revista, o índice é baseado na idéia de paridade do poder de compra, segundo o qual o valor da moeda deve refletir a quantidade de bens e serviços que ela compra. Conclusão: a moeda brasileira está sobrevalorizada em 42%.

Bons dias para viajar, leitor. Há horas venho afirmando que está mais barato comer em Paris ou Madri do que em São Paulo ou Porto Alegre. Outra noite, fui a um café aqui no bairro para comer algo na madrugada. Pedi um sanduíche de presunto e queijo e acabei tomando duas taças de café com leite. Preço? Ao lembrar de meus dias na França e Espanha, fiquei perplexo: 25 reais. Ao câmbio de hoje, 10,8 euros. Ora, por dez euros, tanto em Paris como Madri, tenho almoços executivos com entrada, prato principal, sobremesa e eventualmente meia jarra de vinho. Claro que nem sempre se come bem em tais restaurantes. Mas se você tiver feeling para auscultar o ambiente, poderá ter gratas surpresas.

Em janeiro passado, comentei a entrevista concedida à Veja por Rogério Fasano, um dos papas da gastronomia em São Paulo. Seu restaurante é o preferido por nove entre dez corruptos de Brasília. (É o que chamo de restaurante para pessoas jurídicas. Ninguém paga do próprio bolso, mas com os impostos do contribuinte). Comentei também seus sofismas, ao tentar justificar porque cobra 27 reais por um pãozinho com manteiga. Reagiu uma de minhas interlocutoras: “se tu és pão-duro ou pobre, não vai no Fasano, simples!”

Não vou mesmo. Não vejo porque pagar uma fortuna num restaurante metido à besta no Brasil, quando por um terço ou menos do preço posso pagar uma excelente refeição regada a bom vinho na Europa. Em novembro passado, entre outros, revisitei um de meus diletos em Madri, El Espejo. Ambiente solene, sofisticado, tem mais de século. Os espelhos refletem as imagens ao infinito. Refeição para duas pessoas, com um excelente Marqués de Riscal e um chinchón para rebater: 84,51 euros. 42 euros por cabeça. 105 reais, na cotação daqueles dias. 3,8 pãezinhos com manteiga do Fasano.

Esse foi um dos cafés que jamais me permitiu ir até a Biblioteca Nacional, em meus dias de Madri. O outro foi o Gijón, também centenário, a uns 200 metros do El Espejo, onde se come e se bebe por menos ainda. Ambos ficam no Paseo de Recoletos e a biblioteca fica do outro lado. Nunca consegui atravessar o Paseo. Saía da universidade com minhas amigas latinas, a las tres del mediodía, rumo à biblioteca. A meio caminho, éramos interceptados por um dos dois cafés. Vinho da casa quase a preço de água. As pesquisas que se lixassem.

No solene Comedor d'El Rey, sala do Café Oriente onde Juan Carlos recebe de vez em quando os estadistas que o visitam, em uma cave do século XVI, com talheres e baixelas de prata e copos de cristal, almocei com a Primeira-Namorada. Dois pratos, um bom Penedès, mais dois Carlos III para finalizar os trabalhos. 84,20 euros. De novo, 3,8 pãezinhos com manteiga do Fasano.

No Sobrino de Botín, tido como o mais antigo restaurante do mundo (fundado em 1725), comemos um soberbo cochinillo e um cordero lechal, mais um bom Rioja e de novo um chinchón para rematar. Custo: 75,75 euros. No Salamanca, na Barceloneta, o mais reputado restaurante de frutos do mar de Barcelona, comemos os dois, com vinho mais aperitivos, por 72,26 euros. No Caracoles, outra casa centenária de Barcelona, comemos e bebemos a gosto por 61 euros. No belíssimo Méson de Cándido, em Segovia (dois séculos), junto aos arcos do aqueduto, pelo mesmo passadio, pagamos 89,76 euros. Este foi o almoço mais caro que paguei na Espanha. 226 reais para dois. 113 por cabeça. Quatro pãezinhos com manteiga no Fasano.

Certo, o Fasano não é critério para medirmos os preços de São Paulo. Mas por 113 reais por cabeça você não vai longe nas metrópoles brasileiras. Mal se consegue tomar um vinho decente, e já nem falo da comida.

A hora é boa para partir. Vai logo, leitor, voa rumo às terras de restaurantes seculares, comida e vinhos soberbos, a preços humanos. Vai antes que seja tarde.