¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, novembro 20, 2010
 
BENTO MUDA COM OS VENTOS


Leio na Folha de São Paulo de hoje, que o papa Bento XVI defende agora o uso da camisinha em casos de prostituição. Num livro de entrevistas que será lançado na terça-feira próxima, Sua Santidade afirma que o uso de preservativos por prostitutas pode ser aceito para evitar a disseminação do vírus da Aids. O livro, que tem como título Luz do Mundo: O Papa, a Igreja e os Sinais do Tempo, é baseado em 20 horas de entrevistas conduzidas pelo jornalista alemão Peter Seewald.

Quem diria! Ainda há pouco, o Vaticano tinha como norma a proibição do uso de qualquer forma de contracepção, mesmo como forma de evitar doenças sexualmente transmissíveis. Em março do ano passado, Bento provocou revolta internacional em março de 2009 durante uma visita à África, ao afirmar à imprensa que a doença era uma tragédia que não podia ser combatida com a distribuição de preservativos, que na opinião dele até agravava o problema. Nos países católicos da África, centenas de milhares de pessoas morreram aos magotes. O que levou inclusive muitos padres da Santa Madre a fazerem uma opção preferencial pelas freiras, para evitar a contaminação das prostitutas.

Ora, se bem entendo de lógica, ao aceitar preservativos para prostitutas, Sua Santidade está ratificando a prostituição. Antes tarde do que nunca. Durante vários séculos, as prostitutas saciaram o desejo dos papas e cardeais. Este período, inaugurado pelo papa Sérgio III (904-911), foi chamado pelos historiadores de pornocracia, como também de “reinado das prostitutas”. Sérgio III foi o pai do papa João XI com Marozia. A partir daí sucederam-se não poucos papas que eram chegados ao bom esporte, entre eles João X, João XII (acusado de ter transformado a Basílica de São João de Latrão em bordel), Bento IX (acusado de sodomia, bestialidade e de ter patrocinado orgias).

Uma das cortesãs mais famosas da pornocracia foi Teodora, mãe de Marozia com o papa João X, a quem deu a cadeira de São Pedro. Segundo Brenda Ralph Lewis, em A História Secreta dos Papas, “uma de suas preferências eram os papas com temperamento ameno, pois dessa forma podia comandá-los, como fez com Bento IV. Por outro lado, tinha uma queda pelos libertinos e devassos, como Lando I, que ocupou o papado por sete meses, entre 913 até 914. Pouco se sabe sobre Lando, apenas algumas informações espantosas. Acredita-se que ele passou grande parte de sua vida entre mulheres indecentes e, segundo os críticos medievais, foi finalmente consumido”.

A pornocracia encerra-se com Rodrigo de Bórgia, eleito em 1492 e mais conhecido como papa Alexandre VI. A cortesã mais famosa do Vaticano foi certamente Lucrécia Bórgia, amante do pai, o Alexandre VI, e também de seu irmão, o cardeal César Bórgia. Este papa, eleito graças à compra dos votos dos cardeais, foi quem patrocinou o famoso baile das castanhas, em que sessenta prostitutas nuas dançaram para os cardeais no Vaticano. Foram jogadas castanhas ao chão, e as bailarinas tinham de apanhá-las. Mas não com as mãos, diga-se de passagem. Foram concedidos prêmios aos homens que copulassem com mais mulheres naquela noite memorável.

Se o leitor quiser uma abordagem ficcional sobre Alexandre VI, pode procurar nas locadoras o belíssimo filme Contos Imorais, de 1974, do cineasta polonês Walerian Borowczyk. Enquanto Savonarola queima na fogueira, por ter denunciado os hábitos libertinos do Vaticano, uma Lucrécia nua (interpretada pela radiante Florence Bellamy), espichada sobre um corrimão do Vaticano, atende ao mesmo tempo o papa e o cardeal - seu pai e seu irmão -, estes devidamente paramentados com as vestes eclesiásticas. Tudo muito sacro e solene.

Ao reconhecer a prostituição – de outra forma não consigo ver a liberação de preservativos para as prostitutas – Bento XVI parece estar se dobrando aos ventos da História. Ao mesmo tempo, faz uma justa embora tardia homenagem àquelas bravas e árdegas moças que não pouparam esforços para tornar aprazíveis os dias dos ministros de Deus na terra.