¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, novembro 30, 2010
 
INTERNET CASHER,
CENSURA JUDAICA


Comentei, no início do ano, um tratado teológico-culinário, do rabino Ezra Dayan, Casher na prática. O bom rabino considerava que “a dieta alimentar judaica não só preserva o corpo e alma do judeu, mas também lhe serve como documento de identidade. A kashrut (cozinha judaica) é algo que une o povo... Ao comer casher, estaremos unindo os integrantes do povo judeu e, quem sabe, aproximando a vinda do Mashiach”.

Que a kashrut apresse a vinda do Messias não é fácil de entender. Mas teria por função a elevação espiritual do ser humano: “aquele que ingere alimentos proibidos, está prejudicando a si mesmo e ao mundo, pois acaba causando estragos em sua alma e no mundo todo, sem levar em conta o fato de ter perdido a oportunidade de se elevar e estar mais próximo de sua meta. Nossos sábios comentam que aquele que ingere alimentos proibidos cria uma crosta em torno de seu coração, isolando-o das boas influências e de bons ensinamentos”.

Ou seja, leitor: eu, tu e todos nós, que não comemos casher, temos uma crosta no coração, prejudicamos a nós e ao mundo, causamos estragos em nossa alma e no mundo todo, estamos afastados das boas influências e de bons ensinamentos. Só pode elevar-se espiritualmente quem é judeu e segue as prescrições da kashrut. Nós, goyim, somos uns brutos irremediáveis.

Casher é o alimento judaico preparado de acordo com a Torá. Quer dizer “permitido”, “próprio” ou “bom”. As leis judaicas só permitem o consumo de carne de animais ruminantes e com casco fendido, considerados mais limpos. Não permitem a carne de porco, que não é ruminante. Lacticínios não podem ser ingeridos com carne, porque lá no Êxodo disse Moisés: “Não cozerás o cabrito no leite de sua mãe”. Judeu não come picanha. Porque lá no Gênesis, Jacó lutou com Deus até o romper do dia. Quando Deus viu que não prevalecia contra ele, tocou-lhe a juntura da coxa e a deslocou. Então, picanha não se come.

E por aí vai. E vai longe. As regras judaicas de alimentação são extremamente complexas e têm implicações nos instrumentos de cozinha, na ocasião de comer e até no abastecimento dos produtos alimentares. Carne só é casher quando benzida por um rabino. Até aí, problema deles. Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso. Azar dos judeus, cuja ortodoxia os priva de não poucos prazeres da cozinha.

Daí a uma internet casher vai uma longa distância. Por insólito que pareça, ela é defendida por ortodoxos. O que era uma prescrição alimentar, pelo jeito está sendo transporta à internet. Edmund Sanders escreve no Los Angeles Times sobre o novo tabu. Os rabinos ultraortodoxos consideram a internet a maior ameaça para o judaísmo, comparando-a a comer carne de porco e considerando-a "mil vezes pior" do que a TV. Com a difusão da tecnologia, os rabinos abrandaram sua postura, e em 2005 permitiram um uso limitado da internet para fins de trabalho.

"Num escritório cinzento da cidadela de judeus ultraortodoxos chamada Bnei Berek, três jovens devotas com o rosto colado num computador procuram na internet pornografia, mexericos sobre celebridades e uma lista de sites proibidos pelos rabinos.

"É um trabalho estranho para moças que se vestem modestamente e usam perucas em obediência às suas crenças. Mas esta é sua função na primeira provedora de internet ultraortodoxa de Israel, a Nativ, que tenta lançar um produto capaz de transformar a comunidade tradicionalmente resguardada do mundo: a internet kasher.

"Como imagens ousadas de mulheres são o conteúdo ofensivo mais comum, a companhia concluiu que seria menos reprovável contratar mulheres para vasculhar a web para que clientes ultraortodoxos, ou haredi, surfem sem preocupação. Lea Bernat, 22, ex-professora de jardim da infância, clica diariamente em centenas de páginas. "Se estiver limpo, nós o divulgamos", afirmou. "Se é impróprio, dizemos ao cliente que o site não foi aprovado".

Edmund Sanders nos fala ainda do Koogle, um motor de busca inspirado no Google de empresas kasher que oferecem, por exemplo, pechinchas como "modestos" vestidos de noiva. Muitos rabinos se mostram céticos quanto ao YouTube, então o Yideotube oferece uma "fonte diária online de vídeos cuidadosamente avaliados", que variam de caricaturas de ativistas contrários à guerra a dicas para comprar um traje "kittel" cerimonial.

Há também um software para não infringir as proibições do trabalho no Sabbath, que permite aos sites bloquear o acesso aos usuários, conforme a hora, entre sexta-feira e sábado à noite. Um grupo de apoio online, o GuardYourEyes.org, ajudar os judeus ortodoxos a romper a "dependência da luxúria" na internet. Além dos costumeiros programas em 12 passos e dos "edificantes" e-mails diários, o grupo oferece dicas para reduzir as visitas inadequadas. Inclusive com um software que envia listas dos sites visitados à esposa ou ao rabino.

Sempre me perguntei para que serve um rabino. A meu ver, só servem para benzer carnes, cortar prepúcios e produzir teologia. Parece que o ócio é grande no rabinato, a tal ponto que agora pretendem aplicar prescrições originalmente alimentares à rede de computadores. A Torá conta um conto e os rabinos acrescentam vários pontos.

Em seu livro La Loi de Moïse, o diplomata Jean Soler se perguntava: pode um vinho ser casher? Pode. Mas que é um vinho casher, se entre uva e uva não existe distinção alguma? Se você pergunta a um enólogo israelita qual é sua definição de vinho casher, você arrisca de metê-lo em apuros. Ele lhe responderá sem dúvida, de forma evasiva, que não há verdadeiros critérios. Sabendo que a noção de vinho casher é desconhecida da Bíblia, você pensará talvez que seu embaraço provém disto. Mas se você insiste, ele dirá: “vinho casher é um vinho que foi feito, do começo ao fim, por judeus”.

Que é a internet kasher? No fundo, é o que um rabino decide que é internet kasher. Na verdade, um pretexto teológico-religioso para censurar os conteúdos da rede. Ortodoxia nunca suportou liberdade de pensamento.