¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

terça-feira, novembro 16, 2010
 
ROCK SALVA HUMANIDADE
DE UMA TERCEIRA GUERRA



Que nojo de mim me fica,
ao olhar para o que faço.
Minha alma é límpida e rica
E eu sou um mar de sargaços.


O poema é de Pessoa. Decididamente, este que vos escreve é um poço de amargor e ressentimentos. Imerso em mim mesmo, afundado em meu solipsismo atroz, tenho uma visão negativa do mundo e descreio das mais nobres intenções da humanidade. Transudo ódio. Isso ficou claro no amontoado de bobagens que escrevi sobre rock, esse sublime gênero musical, e sobre roqueiros, esses abnegados humanistas que revolucionaram o século XX.

O ressentimento me acompanha por onde vou. De que vale a um homem beber nos bons restaurantes de Paris, Madri ou Roma, se leva sempre em sua alma o nojo de si mesmo? De que lhe serve singrar mares, se é incapaz de valorizar um show de rock? De que lhe adianta conhecer Verdi, Vivaldi, Mozart, se não consegue valorizar o trabalho de seus contemporâneos? De que lhe serve ter uma farta biblioteca em casa, se empunha seus livros para insultar o que de melhor a humanidade produziu?

No fundo, tenho de concordar com alguns de meus leitores: sou um fracassado, eternamente descontente comigo mesmo, incapaz de reconhecer o talento alheio. Meu fracasso, eu o carrego em minhas viagens, como um notebook.

Tive hoje esta brutal percepção ao ler nos jornais que um roqueiro britânico salvou o planeta do apocalipse. James Blunt relatou em um programa de rádio neste domingo passado como teria evitado a 3ª Guerra Mundial ao rejeitar uma ordem do general americano Wesley Clark de remover à força os soldados russos que tomaram o aeroporto de Pristina, capital do Kosovo, em 1999.

Segundo a rádio BBC, Blunt, que dirigia o batalhão britânico que se deslocou ao aeroporto, afirmou que se tivesse atacado os russos, teria desencadeado um conflito mundial e que por isso rejeitou a ordem de um superior mesmo tendo consciência de que poderia enfrentar um julgamento militar. Felizmente, o cantor teve o apoio imediato do general britânico Mike Jackson, que afirmou pessoalmente que não iria transformar seus soldados em responsáveis pelo início da 3ª Guerra Mundial.

Por amor à humanidade, o roqueiro arriscou uma corte marcial para nos salvar da Terceira. Só eu que não consigo enxergar a influência civilizadora do rock. "Recebi ordem direta de render pela força os aproximadamente 200 russos que estavam lá. Eram soldados do Regimento de Pára-quedistas, portanto obviamente estavam preparados para lutar. A ordem direta veio do general Wesley Clark. Tínhamos que rendê-los pela força e foram utilizadas palavras às quais não estávamos acostumados, como destruir", afirmou Blunt, que deixou o Exército após conquistar a fama mundial com sua canção "You're beautiful", em 2002.

E este cronista infame achando que o rock destruía vidas através da apologia das drogas! Longe disso. O rock salva vidas. Blunt salvou a humanidade. Nada menos que isso. Verdade que por enquanto só Blunt sabe que Blunt salvou a humanidade. Mas esta é a sina dos grandes homens. Só a posteridade os reconhece.

Decididamente, sou um mar de sargaços. Perdão, leitores.