¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, dezembro 02, 2010
 
ESPIRITISMO E FALTA DE RESPEITO


Sou ateu, mas respeito todas as religiões. Quer dizer, nem todas. Não dá para respeitar essas seitas caça-níqueis lideradas por Edir Macedo, R. R. Soares et caterva. Se bem que a Santa Madre Igreja Católica Apostólica também vive de catar níqueis. Nada tenho contra quem crê em Deus, seja qual deus for. Claro que me permito críticas às religiões, afinal vivemos no Ocidente, onde é livre a expressão de pensamento. Não acredito em Deus, mas jamais neguei - nem afirmei – sua existência.

Várias vezes fanáticos me enfrentaram com as cinco vias de Tomás de Aquino: o primeiro motor imóvel, a causa primeira ou causa eficiente, o ser necessário e o ser contingente, o ser perfeito e causa da perfeição dos demais, a inteligência ordenadora. Pura baboseira. O aquinata quer deduzir a existência de um ser a partir da lógica. Ora, lógica é um sistema axiomático. Prova apenas aquilo que se deduz dos axiomas que estabeleceu.

A primeira prova, a do motor imóvel, a mais brandida, é de uma precariedade atroz. Nossos sentidos atestam, com toda a certeza, que neste mundo algumas coisas se movem. Tudo o que se move é movido por alguém, é impossível uma cadeia infinita de motores provocando o movimento dos movidos, pois do contrário nunca se chegaria ao movimento presente, logo há que ter um primeiro motor que deu início ao movimento existente e que por ninguém foi movido, e um tal ser todos entendem: é Deus.

Ok! E quem move Deus? É espantoso que tal argumento, que se sustenta no nada, tenha atravessado os séculos e até hoje seja empunhado por pessoas que adoram crer em algo que não entendem. Seguidamente crentes querem puxar-me para essa discussão. Não caio na armadilha. Discutir a existência ou não de Deus é pura perda de tempo, não leva a lugar nenhum. Que as pessoas creiam em Deus, problema de cada um. O irritante é quando pretendem que os demais partilhem de suas fés.

Neste sentido, admiro os judeus. Não fazem proselitismo, não pretendem expandir suas crenças. Judeu é quem é filho de mãe judia e estamos conversados. (Quanto à paternidade, pelo jeito é questão de fé). Verdade que você pode tornar-se judeu, se converter. Mas rabino algum está interessado em conversões.

Nada pior que proselitismo. Exceto do espiritismo, não tenho recebido assédio de nenhuma religião. Tenho sido bombardeado continuamente por spam, com mensagens de Chico Xavier, Divaldo Franco e vigaristas menores. O espiritismo é uma doutrina tosca, que se apossou dos Evangelhos e mesclou-os a teorias supostamente científicas. Mas a estupidez é universal. Assim como existem juízes roqueiros, há juízes espíritas, médicos espíritas e – pasmem! – professores universitários espíritas. Pelo jeito, o ensino universitário de nada serve ante a força de superstições.

Chico Xavier, o médium mineiro, é um seguidor de Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec (1804 – 1869), que misturou evangelhos com a teoria do magnetismo animal do austríaco Franz Anton Mesmer, com mais algumas pitadas de budismo, no caso, a reencarnação. Mesmer era médico, estudava teologia e instituiu como terapia a picaretagem da imposição das mãos. Criação nada original, afinal já está nos Evangelhos.

Se voltarmos um pouco atrás, encontraremos a prática no Egito, no templo da deusa Isis, onde multidões buscavam o alívio dos sofrimentos junto aos sacerdotes, que lhes aplicavam a imposição das mãos. Curiosamente, Kardec, que é francês e está sepultado no Père Lachaise, em Paris, é praticamente desconhecido em seu país. Sua tumba está sempre cheia de flores, colocadas geralmente por brasileiros. Pergunte a um francês médio quem é Kardec. Ele não saberá responder.

Na França, a nova religião não vingou. Exportada para o Terceiro Mundo, adaptou-se muito bem no Brasil – maior nação espírita do mundo – e nas Filipinas. Havia no país uma certa elite que queria desvincular-se do catolicismo de Roma, mas não queria associar-se às religiões animistas africanas. A ficção criada por Kardec, cidadão francês, mais as teorias oretensamente científicas do austríaco Mesmer, vinham a calhar. Assim se implanta no Brasil a nova crença.

Meu primeiro contato com espíritas ocorreu quando minha mulher morreu. Eles sempre aparecem quando alguém morre. Minha mulher morrera há mais de mês e eu conversava com amigos comuns. Em dado momento, uma moça atalhou: "Eu conversei ontem com ela". Nessas ocasiões, tomo uma atitude de crédulo. Se a moça afirmava com tanta convicção ter conversado com minha mulher, não seria eu quem iria contestá-la. Perguntei apenas o que ela havia dito. Ela deixou uma mensagem, disse a moça: "seja feliz".

O que me lembrou a aparição de Maria aos três pastores em Fátima. Quando interrogada sobre quem era, teria dito a Virgem: "Eu sou a Nossa Senhora". Ora, sendo Maria mais que santa, semideusa, é de supor-se que não tivesse domínio tão precário do português. Se se dirigia aos três pastores, o correto seria: "Eu sou a Vossa Senhora". Por um descuido sintático do narrador, o milagre ficou prejudicado.

Da mesma forma, a mensagem de minha companheira. Éramos gaúchos. Depois de passarmos por Curitiba e São Paulo, ela passou a usar o você, mas apenas ao tratar com curitibanos e paulistanos. Jamais me trataria por você. Como a comunicação de Maria, a de minha mulher também ficou sob suspeita. Mas não neguei o testemunho da moça. Podes falar de novo com ela? - perguntei. Claro - me respondeu. Pedi-lhe então que, quando voltasse a falar com ela, pedisse o código do celular, que eu havia ficado sem.

A moça entrou em pane, achava que não ia dar, códigos são coisas confidenciais, começou a perguntar que horas são e logo deu as de Vila Diogo. Contei a história mais tarde a professores universitários e um deles, também espírita, prometeu-me perguntar às instâncias do Além sobre o código do celular. Mas me alertou que o médium teria de ser muito poderoso para descobri-lo. Bem entendido, nunca mais me falou no assunto. Nem eu precisava do código, afinal sempre o tive e queria apenas divertir-me com a capacidade comunicativa dos tais de médiuns.

Pois estes senhores estão inundando meu correio com lixo metafísico, sempre falando de paz, amor e respeito ao próximo. Reclamei. Um cretino qualquer me recomendou bloquear o remetente. Não adianta. Bloqueio e o lixo, que parece ter poderes sobrenaturais, volta. Para os espíritas, ao que tudo indica, invadir a privacidade alheia não é falta de respeito ao próximo.

Confesso não entender estes fanáticos. Não convencem ninguém com suas vigarices e acabam irritando as pessoas. Respeito todas as religiões, dizia. Mas, por favor, senhores crentes, não invadam meu correio.